Já ouviu falar em quarteirização? Resumindo a grosso modo, é quando o município acerta com uma empresa a entrega de produtos ou a prestação de serviços, e essa, por sua vez, utiliza outras empresas para cumprir de forma parcial ou integral o acordado. É o que algumas das terceirizadas contratadas pela Saúde de Viamão estão fazendo.
Ontem (27), trouxe no artigo Empresa que faz gestão da UPA cobra da Prefeitura três meses de pagamentos em atraso; O caos das terceirizadas minha preocupação com o elevado nível de terceirização que as gestões de Viamão impuseram à Saúde (mais de 80%). Também discordo do discurso de que entregar as funções públicas à iniciativa privada é a solução para governos mal conduzidos. No mesmo dia, a operação que investiga o mau uso de recursos da saúde no RS resultou na prisão do prefeito de Rio Pardo e na de outras 14 pessoas me deu razão. É um esquema que envolve gente de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina e, vejam só, escancara o uso da terceirização e da quarteirização para o desvio de dinheiro público (estimado em R$ 15 milhões).
Antes de prosseguir, destaco aqui que até onde se tem notícia, a Organização Social (OS) Instituto Brasileiro de Desenvolvimento da Administração Hospitalar (IBDAH) não tem relação com a suposta fraude de Rio Pardo, ou qualquer outra aqui no município. Ela surge no contexto da matéria como exemplo de mais um contrato da Prefeitura de Viamão com problemas nos repasses. Outra empresa ligada à Saúde ameaçando suspender atendimento à população.
A IBDAH tem sede na Bahia, e só após 24 horas do pedido de entrevista do Diário de Viamão é que assessoria se prontificou em responder a demanda. A relação foi tensa, pois está nítido que a OS não queria tornar pública a cobrança. Era para ter sido um acerto de contas à margem da imprensa, do público, da transparência, do povo.
E eu não sei quais os motivos.
Para tentar evitar a resposta, assessoria chegou a alegar que "a UPA é um equipamento do município", que "o IBDAH 'só' faz a gestão", e que a assessoria "não tem acesso a contratos nem questões financeiras". Pior faz a Prefeitura, que nada falou sobre o problema até agora.
Nunca em quase 20 anos na "indústria vital" do jornalismo havia visto assessoria "apenas para assuntos aleatórios". E logo de um contrato que custa R$ mais de R$ 1 milhão por mês ao povo.
Hoje (28), após muita insistência, a empresa avisou que os atrasados (R$ 1.342.328,05) foram colocados em dia ontem. Mas segunda-feira, já tem parcela de R$ 1.199.109,35. vencendo. E a partir de junho, o valor do contrato salta para R$ 2,4 milhões/mês.
Para voltar ao tema, nada sei sobre quarteirização referente a IBDAH porque nem mesmo o Conselho Municipal de Saúde de Viamão (CMS) sabe, conforme a presidente Laureci da Silva Goulart revelou.
– Solicitamos as prestações de contas pois não sabemos como chegaram nestes valores – diz a presidente do CMS.
Aliás, o Conselho vem sendo tratado com descaso pela Administração Municipal. A entidade passou muito tempo sem acesso aos números de qualquer contrato da Prefeitura com as terceirizadas.
Agora tenta se inteirar de tudo.
Já no caso de outra terceirizada, a Associação Mahatma Gandhi, há muita quarteirização. É o que mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que investiga os contratos de prestação de serviços para a Saúde de Viamão.
A CPI completou um mês seguindo o "rastro do dinheiro" do município. Encontrou nas prestações de contas notas fiscais pagando Uber, refeições como salmão, picanha e até filé mignon. Mas o caso vai além de comida e de transporte pagos com dinheiro do contribuinte aos representantes da empresa quando esses estão em Viamão. A Mahatma apresentou aos cofres públicos em 2019 – e a Prefeitura pagou – custos da reforma de um hospital mantido por ela em São Paulo.
Embora possa haver explicação, é simbólico.
Nota fiscal divulgada pela CPI no site da Câmara
Porém, há números mais expressivos revelados pela Comissão da Câmara. A Mahatma subcontrata (quarteiriza), de serviços de informática até a contratação de profissionais. E isso custa mais caro ao cidadão.
Os médicos que atendem nas unidades básicas, por exemplo, não são funcionários da OS. A Mahatma recebe mais de R$ 500 mil mensais para custear a despesa com esses trabalhadores da Atenção Básica e da Saúde Mental – cerca de R$ 157 por hora trabalhada -, porém paga R$ 86/hora. Ou seja, fica com a diferença.
A CPI encontrou contratos para a manutenção de computadores na casa dos R$ 140 mil/mês, notas ficais diversas já pagas sem a devida prestação de contas, além de parentes de políticos locais e de representantes da Mahatma contratados por essas empresas quarteirizadas. Por isso, os parlamentares querem a quebra do sigilo fiscal de pelo menos dez subcontratadas da OS.
É esperar para ver.
Antes, contudo, é saber como fica o atendimento à população. Amanhã (29) é o último dia de trabalho dos profissionais da Mahatma. O contrato com o município, que foi estendido contra a vontade do Tribunal de Contas do Estado e da Câmara de Vereadores, acaba oficialmente domingo. Equipes dos Postos de Saúde e dos CAPS já se despedem.
A Prefeitura não se manifestou sobre a renovação.
E conforme o Diário apurou, a clínica que realiza os exames admissionais dos aprovados em concurso público, chamados há mais de dez dias, negou serviço, adivinhem, porque a Prefeitura estava com os pagamentos atrasados. Parece que já houve acerto, mas dará tempo de todo mundo assumir até segunda-feira?
Crise é algo imprevisível, que ocorre e é superada em determinado espaço de tempo. Portanto, não dá para chamar o que acontece na Prefeitura de Viamão assim. As questões da Saúde são antigas, repetidamente crônicas, instaladoras do caos. Não são obras do acaso, são resultado direto de uma política de gestão que se exime da gestão de tudo aquilo que pode sem se importar como o dinheiro está sendo empregado. É uma sucessão de problemas graves, todos ligados à terceirização. Resta saber como a Prefeitura vai resolvê-los.
Com a palavra, o prefeito Russinho.