Há alguns meses, adquiri o hábito de ouvir podcasts. Em um deles, foi sugerida a leitura de um artigo publicado no The Washington Post. De início, o texto chamou minha atenção, mas quando percebi ser mais um sobre a eterna luta de classes e a concentração de riqueza perdi um pouco o interesse. Ao final, com a conclusão de que talvez, superado o coronavirus, despertaríamos para uma nova realidade onde as desigualdades poderiam diminuir, achei uma total perda de tempo. Quase uma total perda de tempo. Só não foi porque aprendi uma palavra nova em inglês: shibboleth.
Nunca tinha ouvido falar. Na minha ampla e vasta pesquisa de dez segundos no google, não encontrei termo equivalente em português. Significa um costume, princípio ou crença que distingue um longevo grupo ou classe particular de pessoas considerado antiquado ou não mais importante. Essa tradução me lembrou de um pessoal que eu gostaria que fosse taxado como fora de moda no Brasil; aquele que acha normal as coisas serem caras e as pessoas baratas. Conversei sobre isso com um amigo antes dele decidir morar na Austrália. Formado em contabilidade e pós-graduado, disse ter se convencido a sair de vez do nosso país quando percebeu que tinha virado o faz-tudo no escritório onde trabalhava.
Ele me falou que para conseguir emprego, precisou achar alguém mega rico, “rico tipo ganhar por mês mais do que meus pais gastaram no apartamento onde moram depois de economizar a vida toda”. Conseguiu permanecer no cargo tomando decisões corretas, abstraindo a parte criativa da sua personalidade e reservando os finais de semana apenas para descansar e se preparar para começar tudo de novo. Em suas palavras, para garantir seu salário até ser septuagenário aposentado, além dos relatórios e perícias – e tudo mais que um contador faz e que eu não entendi – para os grandes clientes, cujos honorários permitiam seu chefe ter casa no litoral, na serra e a coleção de carros, ele precisava fazer malabarismo com as tarefas para encaixar os favores oferecidos pelo patrão aos familiares e amigos.
Tentei contrapor argumentando que ele não poderia generalizar assim, afinal estávamos falando apenas deste caso específico. Então, me contou que um dia tomou coragem e foi conversar com o sócio (foi incluído na sociedade com 1% das quotas para não ter a carteira de trabalho assinada). Cheio de jeito para não parecer agressivo, comentou sobre a remuneração ser insuficiente para pagar as contas e quitar as parcelas do carro. Carro que ele comprou por ser exigência da firma e usava muitas vezes para servir de motorista quando seus superiores tinham compromissos em outras cidades. Recebeu como resposta um monte de explicações sobre a atual situação do mercado, a economia em baixa e como, naquele momento, nada poderia ser feito. Na verdade, o diálogo se resume desta forma: “Assim tá difícil, chefe.” “Problema teu.”
Ali ele aprendeu que cobrar o mais barato possível era a lição principal para se manter empregado, porque sempre teria alguém mais desesperado disposto a trabalhar por menos. Sem aceitar esta condição de vida, foi para a Austrália ser empacotador, pedreiro, zelador e pintor de casas. Se estabeleceu como pintor, mesmo sem nunca ter pego em pincéis antes. Ganhou dinheiro e resolveu se mudar para uma casa maior. Pesquisando por fretes para fazer a mudança, descobriu que o aluguel do caminhão era baratíssimo, mas o motorista era bastante caro. Ao contrário daqui, lá as coisas são baratas e as pessoas caras.
Meu amigo perdeu as esperanças sobre ser considerado antiquado no Brasil a desvalorização das pessoas. Para ele, pagamos caro na gasolina, mas não na prestação de serviço qualificado e perdemos talentos para a busca de vidas melhores em outros lugares, prejudicando nosso futuro. Jamais esquecerei dele falando que “o nosso mercado de trabalho serve ao funcionário público grevista”. Não sei se entendi direito o que ele quis dizer com isso. Já eu, nem me preocupo mais se empregadores ruins sairão de moda. Vejo uma nova tendência surgindo. Sobre a qual falarei na semana que vem.