Que segunda-feira! Não, eu não errei o dia. Falo de ontem porque tem a ver com hoje, com amanhã, com antes de ontem, com o sábado. Vai e volta, mas está tudo ligado.
Enquanto ministros discutiam em Brasília se o Mandetta iria para a guilhotina, o ‘núcleo duro’ da administração provisória de Russinho se organizava para poupar alguns pescoços em Viamão. Ambas situações estão ligadas à estratégia e ao fisiologismo.
O sistema é ágil. Para manter a cabeça ligada ao corpo, dá a mão… o braço se for preciso. Se a corda esticar, recua.
Foi o que Bolsonaro e Russinho fizeram na segunda-feira (6). Quando o corte ideológico estava se consumando no Planalto, a tropa de choque interveio para consertar um erro administrativo gerado pela pouca visão e pelo capricho pessoal do presidente. Foi salvo pela repercussão negativa na população – resultado direto do trabalho da imprensa.
Do lado de cá do mapa, o prefeito interino havia cometido erro político no fim de semana ao levar em conta interesses particulares e eleitorais. A mídia alertou e o gongo das redes sociais soou na prefeitura.
Quando os meios de comunicação discutem a iminência de um fato, os desacostumados com o processo informativo podem até achar estranho quando a especulação não se concretiza. Os mais espertos, lógico, aproveitam para polarizar o tema. Atiram na credibilidade dos veículos.
Jair e sua família são mestres nisso. Falam, e se pegar mal não agem. Tentam com esse jogo deixar o jornalista de ‘pincel na mão’, pronto para cair no banco dos réus do miliciano tribunal que se transformou a internet.
Ontem Russinho – ou foi seu núcleo duro? – agiu/agiram exatamente assim. Fonte ligada ao gabinete revelou que a visita do prefeito ao amigo barbeiro pegou mal também lá dentro. O problema não é o mau exemplo do chefe do executivo, que é do grupo de risco, ao romper o isolamento social que busca retardar o coronavírus, tampouco as fotos em que os dois estão a centímetros e sem nenhuma proteção. A conversa distribuída num grupo de Whatsapp de comerciantes locais em que é relatada a negociação para a reabertura das lojas, essa, sim, é indigesta.
Se o acordo vazou – e bateu mal nas ruas e nas redes, melhor não reabrir o comércio nesta semana. O sistema é ligeiro (lembram do filme?). A contrainteligência soube que o Ministério Público aguardava a edição do novo decreto municipal para agir e desengavetou uma recomendação anterior do próprio MP para que fosse seguido o decreto estadual que mantém a atividade comercial como está.
Jogada de mestre! A administração provisória não se indispôs com a promotoria, encontrou no próprio texto do Eduardo Leite a saída para descumprir a promessa feita ao amigo barbeiro, e usou a caneta para expedir um decreto municipal ‘reafirmando que Viamão está em calamidade pública’ e que seguirá as determinações do governo estadual. Uma carta pública para ficar bem com todo mundo – e jogar a imprensa aos leões.
Tal como Bolsonaro, que colocou a demissão do Mandetta na conta da Globo, Russinho, ou seu gabinete, mandou a fatura do jantar de sábado para a mídia. Deu para voltar atrás sem parecer que voltou.
Aproveito que hoje é o dia do jornalista para reforçar que nosso papel é informar. O Diário de Viamão tem feito uma cobertura quase monotemática da crise do coronavírus em nome da vida, isenta de qualquer campo ideológico, baseada em fatos, na ciência e nas recomendações de autoridades internacionais em saúde. Trazemos diariamente relatos de gente da cidade – e de outras partes do mundo – sobre o perigo de afrouxar as regras de isolamento.
Se estamos com números controlados em relação aos outros países, isso, sem dúvida, se dá também pela atuação da imprensa. Não é fazer alarde ou gerar pânico, quem culpa jornalista pelo coronavírus se comporta como um lunático que agride o carteiro por lhe trazer a fatura do cartão de crédito.
Assim como no domingo, faço novo alerta. Nesta terça, pela primeira vez, o Brasil teve mais de cem mortes no intervalo de 24 horas – 114 para ser preciso. Já são 13.714 infecções e 667 vidas perdidas. Ainda não é hora de liberar o comércio.
Segura mais um pouco, Russinho. Só mais um pouquinho. Lá na frente, quando a curva de contágio e as mortes forem bem menores que as projetadas, o senhor afirmará que eu estava errado – e, assim como ontem, poderá até dizer, amanhã ou depois, que a imprensa exagerou.
LEIA TAMBÉM
Policial militar aposentando é o oitavo caso confirmado de covid-19 em Viamão
A praça das seis mulheres: o apelo das merendeiras que não recebem salários desde dezembro
O baile de máscaras, o ódio nas redes e o vírus da desinformação