No dia 17 de março, o mundo inteiro lembrou o Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia. Nesta data, há 30 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Nasceu então um movimento de luta contra o preconceito e violência e defendendo o direito à diversidade sexual. Nasceu a sigla LGBT que foi ganhando mais letras com o passar dos anos.
A atual sigla LGBTQIAP+ abrange pessoas que são lésbicas, gays, trans, queer, intersexo, assexuais, arromânticas, agênero, pan/poli e mais. Mas por que precisamos de tantas letras para enxergar o essencial? São pessoas! Todos padecemos dos mesmos males. O covid-19, a malária, a gripe e inclusive o HIV (que tanto foi associado ao comportamento homossexual) não distinguem cor, credo, raça ou opção sexual.
O termo homofobia foi criado em 1960, para nomear não apenas o preconceito, mas também a reação emocional – em uma escala que pode ser desde ansiedade ou medo até raiva ou agressão – à presença de possíveis homossexuais. Perceba que passaram 30 anos desde o reconhecimento do preconceito até a aceitação de que não há patologia na homossexualidade.
Mas por que exatamente as diferentes formas de relacionamento alheio incomodam tanto algumas pessoas? Contardo Calligaris, psicanalista renomado internacionalmente, nos responde: "Quando as minhas reações são excessivas, deslocadas e difíceis de serem justificadas é porque emanam de um conflito interno. Por que afinal me incomodaria meu vizinho ser homossexual e beijar outro homem na boca? De forma simples, o que acontece é: 'Estou com dificuldades de conter a minha própria inquietude sexual, então acho mais fácil tentar reprimir a liberdade sexual dos outros, ou seja, condená-la, persegui-la e reprimi-la, se possível até fisicamente, porque isso me ajuda a conter a minha’”. Contardo é tão enfático porque há estudos padronizados (link no final) que validam essa interpretação.
Freud, um neurologista renomado do século XX, percebe que a medicina clássica não estava dando conta de algumas formas de sofrimento físico e psíquico. Criou, então, um novo método de tratamento e descobriu uma nova forma de entendimento do ser humano, ao demonstrar que o homem age em função do Inconsciente, de suas fantasias e desejos, sobre os quais não tem o mínimo conhecimento ou controle. Essa descoberta “fere” a humanidade no seu âmago. Trata-se da terceira ferida narcísica da humanidade. As outras duas, foram provocadas por Charles Darwin em seu livro “A Origem das Espécies – que retirou o homem da “cena da Criação Divina”, onde foi moldado em barro “à imagem e semelhança de Deus” e o relegou a mero descendente da evolução – e o Heliocentrismo de Copérnico, que comprovou que a Terra gira em torno do Sol e não é o centro do Universo.
Ao demonstrar que o homem age em função do Inconsciente, de suas fantasias e desejos, sobre os quais não tem o mínimo conhecimento ou controle, Freud decepcionou a Humanidade pela terceira vez! O Homem, já destituído de um papel central na organização do universo e de uma natureza especial comparada aos outros animais, deixou de ser “o senhor de sua própria morada”. O “eu racional” sobre o qual se sustentava o próprio pensamento foi lançado a um lugar desconcertante com um ínfimo controle sobre suas ações ou decisões. O “eu” passa então a estar subordinado a mais pura essência de seu ser: o Inconsciente.
Em 1935, pouco antes de sua morte, quando Freud já tinha transformado a psicanálise em um campo do conhecimento sólido e estruturado, o médico recebeu a carta de uma mãe que pedia ajuda ao filho. Pela mensagem contida na carta, Freud entendeu que o filho em questão era homossexual, e que esta era a “patologia” que a mãe desejava que ele fosse “curado”. Freud foi contundente na sua resposta. Em uma carta escrita mais de 80 anos atrás, e que hoje se encontra no museu dedicado a ele em Londres, Freud expõe, de forma precisa e fundamental, a percepção psicanalítica sobre as diferentes orientações sexuais.
Freud escreveu:
“Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.
Se você mudar de ideia ele deve ser analisado por mim – eu não espero que você vá – ele terá de vir a Viena. Não tenho a intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me responder."
É assustador que em 2020 precisamos ter siglas, bandeiras, movimentos para lembrar as pessoas do essencial. É desconcertante pensar que ideias tão retrógradas retornam inclusive nos discursos atuais. Algumas pessoas parecem não ter entendido a resposta de Freud de que não há motivos para se envergonhar de qualquer forma de orientação sexual.
Clique aqui para acessar a pesquisa.