Ninguém duvida que as ideologias podem obscurecer o nosso entendimento sobre a realidade. Se neutro é aquilo que reflete a verdade, sem distorções advindas de ideologias, então a neutralidade deve ser a meta de qualquer sistema de ensino. Acontece que isso só é possível para o domínio dos "fatos". Não há neutralidade possível quando falamos de valores, a não ser que caíamos no niilismo e relativismo. Se a educação remete a concepções de bem, precisamos definir quais são os valores que queremos promover – por exemplo, a justiça, a civilidade, a verdade, etc. Os projetos de lei Escola sem Partido fazem exatamente ao contrário, pois definem que o estudante não deve ser submetido a algo que contrarie as crenças e valores dos pais. Não é preciso pensar muito para imaginar aonde isso pode levar: além dos casos óbvios de professores de biologia sendo impedidos de ensinar sobre a evolução para alunos filhos de evangélicos, podemos vislumbrar professores sendo proibidos de ensinar para filhos de bandidos que matar é errado.
Bem, de qualquer forma, defensores mais sensatos de projetos do tipo defendem que se a educação pública deve ser laica em termos religiosos, também o deve ser em termos políticos – evitando favorecer esta ou aquela ideologia. É uma ideia, à princípio, razoável. Porém, a educação laica resolve a questão religiosa simplesmente não a mencionando em sala de aula. Lugar de aprender sobre religião é na catequese, na escola dominical, no centro espírita ou em casa, não na escola. Quando tentamos aplicar o mesmo à política, a situação se torna complicada. Como evitar assuntos políticos em disciplinas como história, geografia e até mesmo ciências (por exemplo, em discussões sobre o aquecimento global, um tema muito sensível do ponto de vista político)? Como falar da crise da Venezuela sem mencionar questões políticas? Dos Blocos Econômicos? Da Globalização? Da Era Vargas? Dos dilemas éticos envolvendo a clonagem humana ou o aborto? É impossível, a não ser que se elimine essas disciplinas e assuntos do currículo – o que empobreceria demasiadamente a formação escolar.
É óbvio que o professor tem um dever moral de não impor suas visões pessoais – que todos têm – aos seus alunos. O sociólogo alemão Max Weber defendeu um ponto de vista muito interessante sobre o assunto em “Ciência e Política: duas vocações”: por mais que o professor tenha convicções sobre um assunto, é seu dever em sala de aula expor as principais posições sobre dado tema. No caso, Weber cita a democracia, um assunto bastante polêmico na época em que ele escreveu (o Império Alemão ainda era governado pelo autoritário Kaiser). Segundo o autor, o professor deve expor as principais definições de democracia, os principais exemplos de cada definição, e os prós e contras do sistema de acordo com seus defensores e detratores. Com essas informações, o aluno terá autonomia intelectual para formar sua posição.
É impossível resolver isso de forma satisfatória com leis, porém. Nessas horas, os políticos “liberais”, autores da maioria desses projetos de lei, deixam de lado a ideia de que a "mão invisível" promoverá a "grande ordem espontânea" e tentam resolver o problema da doutrinação escolar a partir da interferência e regulação estatal. Ocorre que ninguém é capaz de dar uma definição prática do que seja doutrinação e o resultado provável é que ela será definida de acordo com o que o grupo no poder em dado momento não gosta. Basta lembrar do caso recente de Foz do Iguaçu, onde os edis municipais proibiram qualquer menção à palavra “gênero” nas salas de aula da cidade. Além de inviabilizar qualquer discussão sobre assuntos como violência doméstica ou diversidade sexual, um professor de ciências poderia ser punido ao falar dos gêneros taxonômicos de classificação dos seres vivos, ou um professor de literatura poderia enfrentar um processo disciplinar por mencionar os gêneros literários.