Inevitavelmente, Gravataí restará de ressaca após a festa desta terça-feira pela produção de 4,5 milhões de carros pela fábrica local da GM, celebrada em artigo do prefeito publicado hoje pelo Seguinte:, O artigo do Zaffa: Parabéns GM pelos 4,5 milhões de carros. Gravataí está em festa!.
É que, para além da pandemia e da falta de chips que fizeram a montadora parar no Rio Grande do Sul por cerca de seis meses em layoffs nos últimos dois anos, dar férias coletivas de 21 dias em fevereiro e estar às vésperas de suspender a produção em São José dos Campos (SP) entre 27 de março e 13 de abril, agora estão faltando consumidores; é a perda de receita e as demissões estacionando na aldeia.
É o efeito da ‘pena de morte’, denunciada pelo Nobel de Economia Joseph Stiglitz, na fábrica mais produtiva da montadora que, acelerada com três expansões e R$ 4,5 bilhões de investimentos desde a inauguração em 2000, emprega 5 mil pessoas e responde por praticamente metade do orçamento bilionário de Gravataí.
Vamos às informações.
Para a coluna de Giane Guerra em GZH, a GM afirmou que não há “nada adicional a comunicar sobre paradas”.
– Não é costumeiro (ter férias coletivas em fevereiro), mas acontece – disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, Valcir Ascari, lembrando que “as paradas costumam ocorrer mais aos finais de ano” e dizendo “não saber se há novas paradas no horizonte”.
Fato é que, além da General Motors, Hyundai e Stellantis (dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) estão suspendendo linhas de produção e dando férias coletivas aos funcionários.
Reportagem do Estadão aponta que “o quadro de desaquecimento de vendas pode se prolongar até 2024, na visão de economistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do banco Bradesco, e novas paradas de fabricas devem ocorrer”.
“Ao contrário do último biênio, em que a oferta era a principal fonte de desafios da indústria automobilística, a demanda deve ser o fator-chave para o cenário de 2023-2024”, assinala o Depec, em relatório assinado pelo economistas Renan Bassoli Diniz e Myriã Bast.
Traduzindo do economês: tem carro no pátio, mas não tem gente com grana para comprar zero.
Para efeitos de comparação, em 2019, as vendas de veículos no Brasil foram de 2,787 milhões de unidades. No ano passado, esse número caiu para 2,104 milhões de unidades, 24,5% a menos.
E os estoques estão recompostos, com a retomada do fornecimento global de semicondutores, cuja falta fez com que no pico da pandemia os estoques correspondessem a apenas 10 dias de vendas.
Conforme o levantamento do Estadão, no fim de fevereiro havia 187,4 mil carros nos pátios das montadoras e das concessionárias, suficientes para 40 dias de vendas, acima da média normal que é de 30 a 35 dias.
Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, disse à reportagem que o problema da falta de consumidores já vinha ocorrendo, mas no ano passado foi, de certa forma, “maquiado” pela falta de chips.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta crescimento de apenas 4% nas vendas em 2023. A previsão do setor era de que boa parte dos mais de 600 mil carros que deixaram de ser produzidos nos últimos dois anos por falta de peças seria vendida neste ano.
– Isso não deve ocorrer diante da perda do poder de compra do consumidor, inflação e juros altos, restrição dos bancos na liberação de crédito por causa da inadimplência e indefinições de políticas econômicas por parte do novo governo – disse Trujillo à reportagem.
O Estadão traz ainda estudo recém-concluído pela S&P Global que mostra que a indústria automotiva brasileira opera com quase 40% de ociosidade. A capacidade produtiva do setor é de 3,6 milhões de veículos ao ano com a maioria das fábricas operando em dois turnos. Se fosse em três turnos, seria de 4,3 milhões de unidades.
– Além de ajustes com férias coletivas, como já está acontecendo, é possível que ocorram demissões – previu Trujillo.
Ao fim, é o efeito da ‘pena de morte’ de Joseph Stiglitz; não do louco da aldeia aqui, um Dr. Stockmann, de O Inimigo do Povo, de Ibsen, estragando a festa vip que reúne o governador Eduardo Leite e o prefeito Luiz Zaffalon nesta terça, em fábrica de Gravataí.
O alerta é ‘apenas’ do vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2001 e professor da Universidade de Columbia (EUA), que ontem definiu a taxa básica de juros Brasil como “chocante” e equivalente a uma “pena de morte”, criticando a política do Banco Central de usar juros para conter inflação sem observar efeitos nocivos sobre investimento.
– A taxa de juros de vocês (Brasil) é de fato chocante. Uma taxa de 13,7%, ou 8% real, é o tipo de taxa de juros que vai matar qualquer economia. É impressionante que o Brasil tenha sobrevivido a isso, que seria uma pena de morte – avaliou, apontando piora do cenário nos últimos quatro anos, quando o país teve “presidente não indutor de crescimento econômico”.
A Gravataí que deu 70% dos votos para Jair Bolsonaro em 2018, e 60% em 2022, se a General Motors fechar, vira um favelão. A cada 10 reais que entram, 5 vem do ‘efeito GM’. Comemoremos os 4,5 milhões de carros porque merecemos, por termos a fábrica mais produtiva do mundo, mas nos preparando para administrar a ressaca – ela é inevitável, fraca ou forte.