Golpe do Pica-Pau-Amarelo: Bolsonaro não me faz de trouxa; O abusador sempre pede desculpas

Michel Temer passa faixa presidencial para Bolsonaro na posse de 2018 | Foto AGÊNCIA BRASIL

“Um dos traços do abusador é abusar e pedir desculpas”, tuitou a artista Zelia Duncan, nesta sexta-feira, sobre o arrego do deprimente da república na Declaração à Nação escrita por aquele que cometeu um golpechment dentro das quatro linhas. Não serei feito de trouxa com – mais um – recuo tático de Jair Bolsonaro. Acreditar é uma escolha de cada um. Bom para o país? Sim, mas não apaga a tentativa de golpe, os crimes de responsabilidade em série cometidos no 7/9 e os prejuízos à economia, como tratei dia 8 em A foto P&B do golpe: caminhoneiros protestam em Viamão; O ’MST do bolsonarismo’.

O mitômano aplica mais uma fake news, como que fez crer a seus walkingvelhos de espírito, e previ em Bolsonaro lembra ’Hitler de Luciana Gimenez’; Pop It de 7 de setembro é a ’Pornochanchada da Cervejaria’.

Mente na carta, como é de sua natureza.

Ou é possível acreditar quando 'escreve' que falou “no calor do momento”? Foram dois discursos, com intervalo de 6h entre Brasília e São Paulo, regurgitados em uma manifestação convocada por ele e organizada e bem paga pelo bolsonarismo.

Não esqueçam que Bolsonaro chegou a incitar seus fanáticos a dar “sangue” pela pátria. E se, como os seguidores de Jim Jones, a massa, menor do que ele esperava, avançasse sobre as polícias para invadir o Congresso e o Supremo, como queriam alguns? Seria o suicídio de Jonestown.

O que eram caminhoneiros comemorando o Estado de Sítio do Pica-Pau-Amarelo?

“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”, assinou, mentindo descaradamente. Em STF impediu golpe de Bolsonaro, os jornalistas Fernando Horta e Gustavo Conde apresentam a cronologia do golpe frustrado.

Reproduzo o artigo na íntegra, porque é um documento histórico.

Abaixo, concluo.

“…

Os protestos convocados por Jair Bolsonaro serviram para mobilizar a classe política para o impeachment. Bolsonaro se expôs sem filtro ao país, dissipando qualquer dúvida sobre suas intenções golpistas e messiânicas. Na tarde de 7 de setembro, as redações já operavam incrédulas diante do mergulho suicida de um presidente disposto a tudo.

Mas os acontecimentos foram mais complexos do que isto. Houve uma tentativa clássica de golpe frustrada pela Suprema Corte em madrugada de altíssima tensão.

Aos fatos e perguntas prévias.

O que teria dado errado para que Bolsonaro não concretizasse seu tão sonhado golpe? O que efetivamente aconteceu para que os planos golpistas fossem frustrados? Seria apenas um erro de cálculo de Bolsonaro? Seria o fato de o Brasil ter “instituições fortes”?

É consenso que o que ocorreu no dia 7 de setembro foi uma tentativa de golpe. É em função desta fatalidade que jornais e partidos enunciaram o “fim” de Bolsonaro – a tentativa fracassada, no entanto, não freou nem freará o ex-capitão.

Esse problema é de Arthur Lira.

Para entender o que de fato ocorreu, a rigor, é preciso olhar para a noite de 6 de setembro. O que se sabe até aqui permite ligar alguns pontos.

Desde o início da semana, os hotéis de Brasília foram sendo tomados – especialmente os mais baratos. Isso indicou o deslocamento antecipado de número razoável de pessoas com alguma capacidade financeira – ou contempladas com algum financiamento.

No dia 6, quase todos os hotéis mais baratos de Brasília estavam lotados. Esse movimento não passou despercebido pelo STF e por todo o aparato de inteligência por ele montado – já que PF e a ABIN foram sequestradas por Bolsonaro.

A partir das 12h do dia 6, a PM do Distrito Federal iniciou os planos de isolamento da região central da cidade (a Esplanada dos Ministérios) como parte do plano de segurança que é imposto compulsoriamente em dia de manifestações.

Nota: Brasília, sabemos, é uma cidade planejada. E da forma como foi planejada, o ‘fechamento’ à entrada do povo nas fachadas de poder é das tarefas mais fáceis e elementares (apesar de ser planejada por um comunista, essa é uma característica urbana de Brasília propícia a ditadores – basta que a PM coloque barreiras para que o povo seja excluído do protagonismo social).

Por volta das 18h, numa ação claramente planejada em moldes militares, bolsonaristas resolveram “testar a água”. Um grupo de cerca de 600 pessoas passou a retirar as barreiras e abrir espaço para que os grandes caminhões, que já estavam na cidade, rompessem o bloqueio.

Esse “destacamento avançado”, com missão de reconhecimento, foi abrindo espaço sem a resistência da PM do Distrito Federal – uma das polícias mais bolsonaristas do país.

Do lado ‘de cima’, o governador do DF, Ibaneis Rocha Junior (MDB) – bolsonarista e supostamente envolvido com as ilegalidades do Ministério da Saúde juntamente com a Precisa e Ricardo Barros – convenientemente não estava presente no DF.

Ou seja: estava tudo armado para uma “pequena” indisciplina da PM de Brasília, pretexto para que se incendiasse o país inteiro. Tudo passaria como uma azarada “falta de ordenamento” em função da ausência do governador.

Brasília, pela manhã, daria o tom do golpe.

Caso as mobilizações prometidas em número chegassem a Brasília, Bolsonaro faria da Paulista apenas seu palco de completo sucesso. O presidente contava com pelo menos um milhão de pessoas em Brasília e, com isso, a pressão sobre as outras polícias dos Estados seria insustentável.

Para entender o que deu errado, é preciso voltar novamente à madrugada do dia 6.

Percebendo a fúria com que os bolsonaristas progrediam destruindo as barreiras na esplanada, seguidos da complacência inicial da PM, vários atores políticos – como o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e o jornalista Ricardo Noblat – passaram a ligar incessamente para o governador Ibaneis, e a usar as redes sociais para denunciar o estopim do golpe.

Essa “grita” inicial chegou ao presidente do Supremo, Luiz Fux, que, com a corte em uníssono, entrou em contato direto com a PM do DF exigindo providências.

A resposta inicial da PM foi protocolar. O STF não é a autoridade imediata a quem a PM seria obrigada a responder. A Constituição, por sua vez, diz que as PM’s estão subordinadas ao Exército.

Eis o ‘golpe de mestre’ do STF.

Fux ligou direto para os comandantes militares, ainda durante a madrugada, avisando que caso as PM’s seguissem o comportamento leniente, ele (Fux) chamaria a GLO e convocaria as Forças Armadas para deter os manifestantes.

O que o STF fez foi adiantar uma tomada de decisão do Exército Brasileiro. As Forças Armadas esperavam primeiro a mobilização popular prometida, para então apoiarem o levante. Estavam naquela madrugada, portanto, aguardando. O STF, contudo, exigiu uma posição imediata do Exército.

Do ponto de vista do STF, a ação era simples. Negasse o exército a ordem de Fux e o golpe estava consumado. Não haveria necessidade da pantomima do 7 de setembro. Por outro lado, ao adiantar a tomada de decisão, o STF elevava exponencialmente o custo desta ação para os militares.

Na prática, tivessem os militares desobedecido Fux e no dia 7 as manifestações “flopassem”, os comandantes militares seriam processados por insubordinação e sairiam culpados de sedição. O preço era alto demais. A exigência da decisão ainda no dia 6 quebrava o plano bolsonarista

No meio desse imbróglio, duas figuras trabalhavam. De um lado, Alexandre de Morais, de posse das informações de inteligência, mapeava o financiamento dos movimentos e bloqueava as contas certas e as chave-pix, asfixiando os financiadores de Bolsonaro.

Muitas “caravanas” de locais perto de Brasília não puderam sair por conta da falta de dinheiro. O resultado foi o número reduzido de apoiadores.

O outro ator que agia em silêncio era o vice-governador do DF, Paco Britto (Avante) que atuou diretamente com as PM’s. Na falta de Ibaneis, a desculpa das PM’s para a inação não seria mais possível. O comportamento ambíguo do governo do DF (ora apoiando Bolsonaro ora obedecendo ao STF) já tensionava o ambiente.

Britto, no entanto, compreendeu que recairia sobre ele toda a culpa de uma malfadada sedição que ocorresse nas PM’s de Brasília. Novamente, o STF aumentava o custo da tomada de decisão e o vice precisou garantir as PM’s “na linha”.

Com a recomposição das linhas hierárquicas do Exército – a partir da cobrança do STF na madrugada do dia 6 – e com a lealdade das PM’s (ainda que a contragosto) garantidas, a margem de sucesso do golpe de Bolsonaro ficou pequena.

No final do dia 6, percebendo os planos naufragarem, os filhos do presidente foram até os manifestantes que faziam a “frente” para o movimento na tentativa de insuflar o apoio necessário para a sedição no dia seguinte e também impactar a PM

Não funcionou. Tirando os apoiadores mais exaltados, o restante dos apoiadores de Bolsonaro – aqueles que chamamos de “atores racionais” – fizeram um cálculo de custo/benefício de suas ações.

A tensa madrugada do dia 6 de setembro, que virou com fogos de artifício o tempo todo, determinou o fracasso do golpe do dia 7. O STF subiu o custo das ações políticas dos outros agentes e diminuiu o acesso destes agentes às informações que precisavam para a tomada de decisão.

As ações não foram coordenadas entre os atores políticos que saíram denunciando a posição claudicante da PM no dia 6 e o STF que colocou “a faca nos peitos” dos comandantes militares, mas, de alguma forma, elas foram complementares. 

O golpe naufragou.

Não podemos, contudo, achar simplesmente que ele não foi dado (que Bolsonaro não cometeu crime porque “o resultado não foi alcançado” como é o argumento dos defensores do governo na CPI).

Se deixarem Bolsonaro solto, ele tem mais um 7 de setembro para tentar. E mais um ano para planejar – agora, sem os erros cometidos nessa intentada.

…”

 

Sigo eu.

Releiam a conclusão de Horta e Conde.

Alguém acredita que deixará de fazer a única coisa de sabe, guerra?

Em De Viamão à Paulista, o bolsonarismo mostra seu tamanho; Suicídio, homicídio e um infeliz 8 de setembro conclui:

 

“…

O Brasil amanhecerá em mais um, para tantos, infeliz 8 de setembro, como um país desgovernado, mas democrático para o bilionário, o rico do Renegade e a família da sopa de osso. Porém, deu-se hoje, mesmo que sem sangue (ao menos até às 18h), o Putsch da Cervejaria.

A partir desta quarta será preciso mais do que notas de repúdio que sempre me lembram Cálice, de Chico Buarque: “Esse silêncio todo me atordoa / Atordoado eu permaneço atento / Na arquibancada pra a qualquer momento / Ver emergir o monstro da lagoa”.

Contam-se 42 oportunidades em que Hitler poderia ter sido morto. Politicamente falando, Bolsonaro precisa ser morto e sepultado, antes que choque o ovo da serpente.

O tamanho do bolsonarismo não é o do povo brasileiro.

Nem em gente, nem ideias.

…”

 

Ao fim, passamos das notas de repúdio para os pronunciamentos de repúdio. Vai ser só isso?

O capitão reformado – que foi réu na justiça militar por planejar um atentado terrorista – tem um ano para preparar sua estratégia para melar a eleição de 22.

Não se trata de ser sempre do contra, de criticar quando o discurso é golpista, e também quando é supostamente democrático.

“Um dos traços do abusador é abusar e pedir desculpas”.

A mim Bolsonaro não faz de trouxa.

Segue mugindo quem quer.

Cuidado com a vaca louca.

E os gorilas.

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