Grupo armamentista apontado como danoso no Facebook convoca para o 7 de Setembro

Em vídeo que foi o mais visto em grupos bolsonaristas no Telegram, Ordem Dourada do Brasil defende prisão e destituição de ministros do STF e parlamentares. Recomendamos a reportagem de Laura Scofield, publicada pela Agência Pública


“Se precisar, iremos à guerra! Não recuaremos e não nos omitiremos na hora do perigo!”, afirma uma das 19 pessoas que aparecem no vídeo mais compartilhado em grupos bolsonaristas no Telegram em 14 de julho deste ano. O material, um chamado às ruas para os atos de 7 de setembro — convocados pelo presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) —, defende que “as Forças Armadas garantam a transparência integral de nossas eleições” e que parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam presos por conspirarem contra a democracia.

O vídeo é assinado pela Ordem Dourada do Brasil (ODB), grupo que existe desde 2014 e, no ano passado, foi avaliado como de “dano social coordenado” por funcionários da Meta. A informação foi revelada pelo vazamento de documentos internos da empresa, os chamados Facebook Papers, que foram acessados pela Agência Pública em parceria com o Núcleo Jornalismo. À época, os funcionários descreveram a Ordem Dourada do Brasil como “organização de militares que pediu a derrubada do governo por um golpe de estado militar” (tradução livre) e sugeriram que a plataforma removesse o grupo ou reduzisse o seu alcance.

Em 2017, pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) apontaram que a Ordem Dourada defende pautas semelhantes às do integralismo, movimento político brasileiro de caráter nacionalista e fascista. A página no Facebook saltou de 72 mil a 228 mil seguidores no Facebook entre 2016 e 2017. 

Segundo a Pública apurou, depois de ter sua maior página retirada do Facebook —  que, entretanto, mantém grupo com mais de 10,7 mil membros na rede —, a ODB começou a migrar para o Telegram. Esse tipo de migração é comum, como a Pública já mostrou.

Investigação do Núcleo e Aos Fatos mapeou a ODB no Facebook, identificando ao menos dois grupos, quatro páginas e 11 perfis, além de outras 16 contas secundárias — a existência de vários canais, perfis e páginas ligados às mesmas pessoas é chamada de ação coordenada. Entre os nomes de grupos ligados à ODB estão Foro Conservador Cristão, Reação CAC, Corpus Iuris e Actus Liberandi. 

No Telegram, o maior grupo público ligado à ODB não passa de 5 mil pessoas: é o chamado Foro Conservador Cristão do Brasil. Existe também um grupo privado, que soma cerca de 3.600 integrantes, e ao menos outros três grupos menores, de 775, 676 e 353 inscritos.


O convite para o 7 de Setembro


Mesmo com uma rede pequena no Telegram, o vídeo da ODB se tornou o conteúdo mais compartilhado no dia 14 de julho, tendo aparecido 20 vezes em oito grupos no Telegram, de acordo com o Monitor de Telegram, parte do projeto Eleições Sem Fake, mantido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e acessado pela Pública. No Facebook, circulou uma versão 2 minutos maior, com falas de Bolsonaro.

O grupo Foro Conservador Cristão do Brasil é o único diretamente ligado à ODB que aparece no levantamento da UFMG. Foi a partir dele que o vídeo foi encaminhado aos outros canais. “NÃO SE OMITA – É UMA QUESTÃO DE HONRA E ATÉ DE SOBREVIVÊCIA…”, pedia a mensagem, em caixa-alta no original. 

No dia seguinte, o conteúdo se manteve entre os de maior alcance, mas caiu para a 11ª posição, tendo sido compartilhado cinco vezes em cinco grupos, por três usuários.

No vídeo de cerca de 8 minutos, 19 pessoas de sete estados brasileiros se revezam para ler, com poucas adaptações, o texto do manifesto criado pela ODB para ser distribuído no mesmo ato. O texto é assinado pelo coronel Marcelo Moura, que se descreve como diretor jurídico do departamento jurídico da Actus Liberandi. 

Moura é coronel da reserva e candidato a deputado federal pelo Paraná pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB). Ele faz campanha de sua candidatura no canal Reação CAC, onde publica vídeos atirando e ensinando táticas de guerrilha urbana. “Somos armamentistas profissionais, Advogados, Instrutores de Armamento e Tiro, Investigadores e Peritos das mais diversas áreas, especialistas em Segurança Pública”, explica a descrição do canal. 

Coronel Marcelo divulga o grupo Reação CAC com Jair Bolsonaro (PL) no Congresso e chama pessoas para o Telegram

No texto, além do discurso anticonstitucional e intervencionista que defende a prisão de autoridades e pede que as Forças Armadas garantam a legitimidade da eleição, o grupo estimula o povo a assumir a “consciência das armas” e se unir às Forças Armadas. 

O manifesto completo também foi compartilhado em outro site ligado ao grupo, chamado A Grande Messe, onde são disseminadas também informações falsas sobre a pandemia de covid-19 e vacinas, como a de que os imunizantes são degenerativos e fazem mal às crianças. A mensagem compartilhada no Telegram indica o link do site.

Além de Moura, outro integrante da OBD disputará o pleito: Dilermando Patriota tentará se eleger deputado estadual por Minas Gerais pelo PL, partido de Bolsonaro. Os dois candidatos ligados ao grupo aparecem no vídeo que convida para o ato de 7 de setembro. Dilermando é quem lê a parte que pede a prisão dos ministros do STF e parlamentares e o coronel Marcelo diz que o “simbolismo” de prender as autoridades serviria de inspiração para a extrema direita globalmente. 

A reportagem entrou em contato com o Foro Cristão Conservador do Brasil e os candidatos Dilermando Patriota e Marcelo Moura, mas não obteve resposta. 

Candidato Dilermando convida público para o 7 de setembro e pede prisão de ministros do STF

Extremismo e radicalização no Telegram 


Para Aleksandra Urman, pesquisadora de pós-doutorado em computação social na Universidade de Zurique, na Suíça, a forma como o Telegram funciona incentiva a radicalização dos usuários. 

– Se eu estou interessada em algum tópico, eu encontro algum grupo ou canal e entro. Lá eu vejo os canais que ele cita e vou entrando neles também, o que acaba conduzindo o usuário para uma espécie de ‘rabbit hole’, porque, se eu me inscrevo em um canal que promove teorias conspiratórias, eles vão indicar canais parecidos, e você fica vendo mais e mais conteúdo do mesmo ponto de vista. Se for o caso de conteúdo político, isso te leva para uma câmara de eco, onde só seu pensamento é reafirmado – explicou à Pública. 

De acordo com pesquisa do InternetLab em parceria com a Rede Conhecimento Social, o Telegram tem sido cada vez mais utilizado como um local onde as pessoas se informam sobre determinados assuntos. O estudo indicou que 53% dos entrevistados usam o Telegram diariamente, 25% usam o aplicativo para consumir notícias, 18% para debater temas de interesse e 15% para falar de política. 

– O Telegram é quase um híbrido entre aplicativos de mensageria e redes sociais, mas observamos um uso que está muito mais próximo de uma rede social, muito mais próximo de um buscador – explicou Heloísa Massaro, uma das autoras do estudo. 

Porém, ao contrário de outras redes, o Telegram está muito atrás na discussão sobre moderação, tendo crescido como um espaço que promete moderar pouco conteúdo e não cooperar com as autoridades.

– Quando você pensa toda a discussão de moderação de conteúdo que é feita nas plataformas, nas redes e nos buscadores, isso não chega no Telegram com a mesma força – explicou Heloísa.

Após a publicação da reportagem, o Telegram afirmou que mantém uma “linha direta” de comunicação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e “vem adotando medidas proativas no Brasil para detectar e mitigar a desinformação e conteúdos que violam os nossos termos de serviço”. Também ressaltou que trabalha com agências de verificação “para promover informações verificadas” e “adicionar etiquetas” às postagens contendo informações falsas.

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