Naquela noite ela descobriu não ser nada. Seu lugar no mundo estava vago. Não dominava nada. Talvez, no fundo, nem quisesse ser, nem ter nada. Síntese de uma estória sem enredo. Com poucas verdades. Sem nenhum fundamento. Vivia por viver. Saboreando doces e engordando. O marido guardava livros não impressos. Tinha uma pequena biblioteca, nada medíocre. E, muita mágoa de todo mundo.
Seu lar aparentemente bom, era doentio. Ninguém os visitava. A não ser uns primos médicos. E um irmão que invejava tudo que ele fazia. Mas ela. Ela era pseudo. Pseudo-intelectual. E por mais que tentasse dinheiro para impressão de seu primeiro livro de poesias, o lançamento não acontecia.
Na tarde fria, ao ouvir notícias de neve, gelou também. Lembrou da intenção de suas poesias que não conseguiam virar um livro. Do Prefácio, bem escrito, por um famoso jornalista, do eixo Rio/São Paulo. Que fazia leitura dos versos dando importância onde ela não via. Dos cafés engolidos com pressa. Da inspiração que se perdia. Da própria auto-análise e da sua consequente desvalorização cultural.
Jamais leu Oscar Wilde. Embora recebesse dele energia de criação. Ele nasceu no século passado. Mas estava espiritualmente presente em sua mente. Atropelando seus textos. Algumas vezes cheios de ternura. Em outros, duros como certos momentos da vida. E loucos. Como ficam as pessoas que estão quase perdendo a razão.
Haveria ainda, muito espaço para a solidão. E a casa sonhada com árvores, ervas aromáticas , cães e borboletas estava lentamente desaparecendo. Como até sua vontade de continuar pensando. Pensando em livros, magias, sonhos e poesias.
Seu mundo precisava ser revisto. Porque ela, diante de vários nãos-literários, ainda decidira escrever. Escrever muito. Até mesmo sabendo que não havia nenhum tostão para pagar a impressão, da obra sonhada, “Versos ao Vento”.
Que já fazia parte do seu cotidiano. E, como os galhos das árvores do inverno que vergam com o vento,sua obra também inclinava. Voando para um lugar nem sabido. Nem imaginado. Talvez para alguma folha de papel em branco. Em outro momento. Reinventado. E…desta vez, talvez,contivesse méritos.