Mamãe, neste Natal quero de presente mais tempo para brincarmos juntos

A mãe me disse que ao ouvir o filho teve um sobressalto de ternura e frustração ao mesmo tempo, conta o Juan Arias numa sensacional crônica publicada no El País, que o Diário recomenda e reproduz

 

Ygor é um menino de nove anos, de uma das milhões de famílias da classe C em que o pai ficou desempregado. O pequeno deve ter escutando os pais comentarem que não iriam poder comprar-lhe nada neste Natal. O fato é que se aproximou da mãe e lhe disse: “Mamãe, não quero presente de Natal, só quero que me dedique mais tempo para brincarmos juntos”. A mãe me contou que ao ouvir o filho teve um sobressalto de ternura e frustração ao mesmo tempo. “De ternura porque entendi que sou mais importante que tudo para ele, e de frustração porque meu filho estava se queixando de que lhe dedicava pouco tempo.”

Hoje existem milhares de tratados de pedagogia para tentar conhecer a alma dos pequenos e, apesar de tudo, sempre há em um lugar do coração deles algo que não conseguimos penetrar. Um professor da minha faculdade de psicologia nos dizia que conhecer o coração de uma criança “é mais difícil que o teorema da relatividade”.

Ele tinha razão. E o pior é que podemos cair na tentação de querer interpretar, sem ouvi-los, o que eles preferirem. Não nos damos conta que decidimos muitas vezes em função da nossa conveniência. Os enchemos, por exemplo, de brinquedos para que “se distraiam sozinhos”. Entenda-se: “para que nos deixem em paz”. Assim, quando ligamos a televisão para eles ou os deixamos usar o celular “para que fiquem quietos” assistindo a um jogo ou um filme. Isso sem perguntar se é o que eles mais querem.

Lembro-me agora que esse mesmo menino que agora pediu mais tempo à mãe para brincar com ela, quando tinha cerca de quatro anos, o deixavam às vezes na casa da avó para que a mãe pudesse trabalhar. Para que não atrapalhasse muito levavam uma cesta grande cheia de brinquedos que eram esparramados no terraço para que se entretivesse. Cheguei um dia de repente e encontrei o menino, ao lado de sua montanha de brinquedos, distraído com uma colher velha brincando com água e terra. Quando me viu, pediu que brincasse com ele de “amassar o pão”. Tive de buscar outra colher e continuar sua brincadeira. Diante do monte de brinquedos, ele preferiu inventar um, simples e barato.

A história do pequeno me fez dar um salto a minha infância, passada com meus dois irmãos na penúria e na pobreza posteriores à Guerra Civil Espanhola. Naquela época, os meninos acreditavam que eram os Reis Magos que nos traziam os presentes em seus camelos. O dia de Reis era o único dia do ano em que recebíamos um presente, a propósito, muito pequeno. Para a minha irmã, uma bonequinha de pano feita por alguma tia habilidosa. Para nós, os dois meninos, uma bola de tênis e às vezes um carrinho de corda que conseguia percorrer alguns metros. E para os três um pacote de balas que nós partíamos para que parecessem mais.

Tento lembrar-me se éramos mais infelizes do que as crianças de hoje que recebem presentes durante todo o ano. Acredito que aquela espera de um ano pelo presente dos Reis compensava com felicidade o vazio de um ano sem nada. E lembro-me, acima de tudo, algo relacionado com a história de Ygor e sua mãe, que ao brinquedo prefere mais tempo para brincar com ela. Meu pai tinha o hábito de sair muito cedo para passear no campo e, como professor da escola primária da cidadezinha, voltava na hora de abrir a escola. Eu nunca lhe disse, mas meu sonho era ir um dia passear na companhia dele.

Quando já tinha completado nove anos, ele me chamou, solene, e disse: “Juan, você já é grande e tem de saber um segredo: os Reis Magos não existem, são os pais que colocam os presentes, por isso neste ano você vai nos ajudar a preparar os presentes de Reis para os seus irmãos. Você não vai ganhar nada, mas eu vou te dar um presente diferente: a partir de amanhã eu vou te acordar para que você me acompanhe no passeio pelo campo”. Juro que foi o maior presente que recebi na vida. Ele não precisou me acordar. Quando se aproximou da minha cama, quase ao amanhecer, eu já estava com os olhos bem abertos. Saímos juntos. Senti-me maior de repente. Meu pai me levou a um riacho onde os pássaros iam beber naquela hora. Passeou comigo pela horta em um pedaço que nós, os pobres, alugávamos do latifundiário da cidadezinha para plantar.

Ali, com ele, aprendi a distinguir uma planta de grão-de-bico de uma de feijão, as espigas de trigo das ervas daninhas que cresciam juntas. Ele me ensinou a delícia de arrancar um tomate maduro e comê-lo ali mesmo, sem sal nem nada. Ou a distinguir em uma figueira os figos mais doces: “São aqueles que foram picados pelos pássaros”, explicou, porque eles só gostam dos bem maduros.

Voltei para casa e não sabia como explicar a todos — minha mãe, minha tia, meus irmãos — a alegria que me inundava por ter podido ir “passear com o meu pai”. Brinquedos? Para quê?

 

 

 

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