Associo-me ao jornalista Leonardo Sakamoto, em seu artigo Musk incentiva golpe no Brasil ao defender privilégio de estar acima da lei. Sigamos no texto.
Desde que teve uma última chance com a intimação postada pelo STF nas redes sociais (sim, ele já havia sido notificado por vias tradicionais há mais de dez dias, mas ignorou), Elon Musk disse que o Brasil vive uma ditadura e, mais do que isso, chancelou comentário dizendo que o X/Twitter é a única fonte de verdade disponível. A auto-estima do homem branco rico é realmente algo insuperável.
Melhor do que isso só se plagiasse o Evangelho de João e, encarnando o filho de Deus, afirmasse que ele próprio é o caminho, a verdade e a vida.
O bilionário escolhe quais decisões judiciais vai cumprir. Como nos enxerga como uma República de Bananas, crê que obedecer determinações de um magistrado do qual discorda é coisa de entregador de aplicativo, motorista de ônibus, pasteleiro, professor, mecânico, vendedor, bancário, enfermeiro, operário, jornalista e você, internauta.
Ele, não, ele é rico e tem uma rede social, manda pessoas ao espaço, faz carros elétricos e possui satélites, portanto tem o direito de ser revisor de decisões do Estado. Brasileiro, claro, porque ele não tem coragem de fazer isso na China, mesmo que discorde de ações do governo de Xi Jinping.
No final do dia, quem tem o tico e o teco em ordem sabe que sua cruzada não é pela liberdade, até porque suas outras empresas realizam felizes negócios com governos autoritários, mas por poder. Viu no Brasil uma boa oportunidade para mostrar o que acontece com os que tentam limitar a falta de regulação das plataformas. E está queimando o X/Twitter e fortalecendo a extrema direita no meio do processo.
Qualquer pessoa física ou jurídica que opera em um país está sujeito às suas leis e ao seu Poder Judiciário. Questionamentos devem ser feitos em tribunais e, caso o apelo não seja ouvido, pode-se acionar o sistema de Justiça interamericano, na Organização dos Estados Americanos, ou internacional, nas Nações Unidas, contra um Estado.
Com este último ataque às vésperas de ter sua rede bloqueada por aqui, Musk também incentivou o desrespeito às instituições. Ecoa, ironicamente, declarações de Jair Bolsonaro, que bradou que passaria a ignorar as decisões do ministro do STF em um ato na avenida Paulista já em 7 de setembro de 2021.
Com medo, Bolsonaro voltou atrás. Hoje, organiza novamente mais uma micareta de 7 de setembro com o objetivo de obter anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023. E, através deles, obter a sua própria, prestes a ser condenado pelo STF por atentar contra o Estado democrático de direito.
Musk não gostou nada das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral apontando que as plataformas serão civil e administrativamente corresponsáveis por postagens “antidemocráticas”, ataques ao processo eleitoral, discurso de ódio e manipulação usando inteligência artificial mesmo sem denúncia pelo TSE ou determinação judicial para remoção do conteúdo.
Mas ao invés de fazer o enfrentamento no ambiente democrático, resolveu defender os conteúdos golpistas. E forçando a sua saída do país ao não cumprir a lei (que obriga representação de grandes plataformas por aqui) e ignorar decisões judiciais, joga a sociedade contra o STF e o TSE.
Historicamente, Musk era um personagem liberal. Mas, nos últimos tempos, deu uma guinada e vem se afirmando como o maior influenciador digital da extrema direita global, interferindo na democracia dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Europa, da Austrália e, claro, da América do Sul e do Brasil.
Para Musk, que nunca viu a operação brasileira do X exatamente como lucrativa, esta é uma excelente oportunidade para se vender como pretenso mártir de uma pretensa liberdade (lembrando que liberdade para fomentar golpe, covid-19 e ataques em escolas não é liberdade), jogando a culpa em terceiros.
Com isso, já provocou um furo no tecido social brasileiro, levando extremistas a refazer uma pergunta que tem poder de desconstruir uma nação: se Musk não cumpre decisão, por que nós precisamos cumprir?