O Cotidiano da Política

No ano de 2021, trabalhei como assessora parlamentar durante o período de seis meses, na cidade de Viamão. O mandato do vereador com quem trabalhei era de suplência, o que explica o curto período em que ele ocupou a cadeira. Ainda assim, dentro desse período, experienciei a política na prática. Foi o meu primeiro contato com o trabalho, então meus olhos estavam totalmente desprovidos de pressuposições sobre como aquela função poderia ou deveria ser executada. Ler um livro que traz relatos da vivência política como um todo, e, principalmente, relatos que detalham o olhar dos assessores experienciando essa vivência, me trouxe a sensação dual de estar observando e, ao mesmo tempo, sendo observada.

Trabalhar na Câmara Municipal de uma cidade que faz parte da região metropolitana, mas que, ao mesmo tempo, se assemelha a uma espécie de interior do estado no quesito modo de vida, é como estar em uma vitrine. As pessoas que não conhecem a realidade da política, ou seja, a forma como ela é verdadeiramente feita no dia a dia, veem o prédio do poder executivo e do poder legislativo como um Olimpo. O prefeito, os vereadores, políticos e assessores são compreendidos como deuses, que detêm o poder sobre aquela cidade, ou pelo menos, que possuem algum tipo de “acesso” privilegiado, conceito que Kuschnir emprega perfeitamente em seu livro. 

O microcosmos do Poder Legislativo é muito singular; existe ali dentro uma outra sociedade, com outras regras e complexidades. O trabalho de assessoria é uma imersão; não é possível viver duas vidas: ou você insere o seu “eu assessor” dentro da sua vida privada, ou o seu “eu pessoal” se insere na sua vida de assessor, e, na maioria das vezes, sem pedir licença. Você não percebe em que momento algumas prioridades mudam, nem a dimensão dessas mudanças, e a interação com as pessoas que transitam nesse ambiente passa a se tornar muito íntima, porque existe um objeto em comum: a política.

A verdade é que a política é muito mais passional do que as pessoas pensam. Para muito além da teoria que a sustenta, como as ideologias e as narrativas, ela é construída principalmente por pessoas que doam suas vidas para vivê-la. Nesse sentido, a autora consegue trazer alguns aspectos importantes sobre essa “doação”, como, por exemplo, o sentimento de pertencimento a determinado grupo, a sensação de poder resolver problemas para outras pessoas, ou seja, deter o acesso. E, é claro, o sentimento ambíguo, que infla o ego e também fere, de estar na vitrine. Estar nesse ambiente significa saber de algo que a maioria das pessoas não sabe; elas perguntam para você, que “está por dentro”, é como se fosse um segredo compartilhado. Portanto, existe o “aqui dentro” e o “lá fora”. Esse sentimento nutre e conecta quem vive essa realidade. 

Para a maioria das pessoas, este ambiente pode inspirar repulsa, porque a política, especialmente a que é feita dentro de um município, pode soar clientelista demais. Conhecer, ter o contato, construir a relação, estar por dentro — esses são fatores cruciais desse modo de fazer política. Isso não quer dizer que não haja ética, transparência e trabalho, mas sim que esses elementos coexistem com outros tantos, como amizade, lealdade e afeição. O cotidiano de um assessor dentro do gabinete envolve atendimentos constantes; portanto, se você não dispõe de uma escuta ativa, não serve para desempenhar essa função. Além de escutar quem chega com problemas, você aprende a escutar as pessoas que trabalham com você e que vivem realidades diferentes da sua. No entanto, essas alteridades acabam se misturando à medida que o tempo passa.

Acredito que, quando um pesquisador se vê enquanto objeto de pesquisa, isso torna o processo de análise mais complexo e também enriquecedor. A posição de controle que outrora o pesquisador ocupava passa por um misto que oscila entre vulnerabilidade, de estar se vendo ali, e confiança, que consiste no fato de saber interpretar aquele fenômeno que ele mesmo vivenciou e que agora está analisando. Teoricamente, é claro que o aspecto “participação” não deve afetar a capacidade de reflexão e construção da narrativa sobre o assunto, mas como distanciar-se de uma parte de si mesmo para poder enxergar melhor? É intrincado. Ainda assim, é preciso lembrar que sempre estaremos sendo objeto de algum tipo de análise — senão a nossa própria, de outros — porque vivemos em sociedade, elaboramos e construímos vivências que podem ser traduzidas enquanto fenômenos nas ciências sociais e em outras áreas do conhecimento, mas que não deixam de ser histórias de vida e de condições experienciadas por pessoas reais.

Trecho retirado de trabalho acadêmico intitulado “Resenha: O Cotidiano da Política, Kuschnir, Karina (2000)

Foto: Arquivo/CMV/Reprodução da internet

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