Que bom que temos 6.977 recuperados da COVID em Viamão, mas e os doentes? Porque os ignoramos? Sabemos quantos são de fato?
Acredito que médico não deve se desculpar pelo diagnóstico que revela ao paciente. Da mesma forma, a mim incomoda jornalista que lamenta a notícia que reporta. Virou cacoete dizer “vamos de notícia boa agora”, como se os fatos dependessem da vontade de quem os narra.
Por isso, fora dos conceitos do marketing ou do emburrecimento do senso crítico brasileiro, não existe sentido em focar a cobertura da pandemia nos recuperados. Além de ser uma redundância – afinal uma doença só evolui em duas direções: cura ou morte –, prejudica os órgãos de controle.
Sem falar que mascara a realidade. Dá ao povo a sensação de que está tudo bem quando não está. Até mesmo porque quem se cura não está livre de se reinfectar.
Lembrar que oficialmente 7.678 pessoas adoeceram, e dessas 630 perderam a vida, é obrigação. Dourar a pílula só fortalece teorias conspiratórias bolsonaristas, faz promessas de compra de vacina caírem no esquecimento, vira desculpa para que não sejam realizados mais testes.
Aos que gostam de matemática, o ideal é que a curva dos óbitos pare de subir – esse é o indicador capaz de mostrar com precisão quando estivermos vencendo a crise. Entendam que não se trata de gosto, de ver o copo meio cheio ou meio vazio, mas de enxergar a realidade.
Não há análise séria na grande mídia que ao menos debata as causas. Entre uma cepa e outra, diante da replicação de versões parciais e do medo patológico de manchetes negativas, as UTIs enchem e esvaziam sem que se chegue a uma alternativa sadia.
Temos visto que as mortes têm pesos diferentes: mesmo estando sempre entre as primeiras em letalidade, Viamão nunca foi manchete. Contudo, outras cidades – geralmente as mais ricas economicamente – ganham editoriais, capas de jornais e longos minutos na televisão.
Não existe “fair play” quando o assunto envolve dinheiro. Vale pro Brasil inteiro.
Viamão nunca baixou da média de 200 doentes em tratamento. E com tanta gente com o vírus ativo, circulando e contaminando outros, e com a Velha Capital aquém dos interesses financeiros, ficar brincando de somar serve a quem mesmo?
É utopia, para não caracterizar ingenuidade de minha parte, mas, ainda assim me despeço gritando: Não se faz jornalismo para agradar, o nome disso é publicidade. E se a grande mídia não cumpre seu papel, que as prefeituras e governo do Estado façam a parte que lhes cabe.
Esqueçam a propaganda e mirem no alerta à população. Marketing com recuperados nos tempos atuais soa como coautoria de homicídio.