O que aprendi no Facebook, que abandonei

Os descomedidos são minoria nas redes sociais, apesar do barulho. A grande maioria é de mergulhadores em busca da verdade e da felicidade. O Diário de Viamão recomenda e reproduz a imperdível crônica de Juan Arias, no El País

 

Alguém me disse que às vezes, na vida, é necessário perder uma coisa para apreciá-la. Foi o que aconteceu com a minha experiência no Facebook, que decidi interromper, porque, contradizendo o que havia proposto aos meus muitos amigos, que fosse um espaço de reflexão e discussão sobre o que vivemos, com total respeito às diferenças que sempre nos enriquecem, alguns, em vez de contribuir para o diálogo, declararam guerra com descomedimentos e insultos. Não percebi quão fortes podem ser os laços de amizade que se criam na rede, à distância, até anunciar que estava saindo. De repente, fui inundado por um rio de declarações positivas sobre o que, segundo eles, eu lhes havia proporcionado. Mensagens que pareciam de pessoas que eu conheci e amei sempre e que me repetiam como um mantra: “Juan, não vá embora”.

Essas mensagens me confirmam que os descomedidos são minoria nas redes sociais, apesar do barulho que fazem. A grande maioria é de mergulhadores em busca da verdade e da felicidade. Do encontro amistoso, dos pequenos detalhes de beleza que alegram e enriquecem a vida. Minha colega do EL PAÍS, Flávia Marreiro resumiu assim minha saída do Facebook: “Sim, uma pena. Perde delicadeza e amor aos detalhes que me davam um beliscão para acordar muitas vezes”. E outra colega do jornal, María Martin, me pede para ao menos continuar enviando-lhe fotos das minhas orquídeas por WhatsApp.

Não poderei responder a todas as mensagens de solidariedade, mas como a grande maioria é de meus leitores no jornal, isso me permitiu oferecer-lhes essa reflexão com um grande abraço para todos e cada um. Quero, no entanto, destacar a mensagem de um dos jornalistas que mais admiro e respeito neste país, Ricardo Kotscho, que nunca encontrei, mas sei que é um desses colegas que não se vendem ou se deixam comprar. Ele me escreve resumindo o que neste momento me preocupa: “Pedir reflexão e debate, em lugar de ofensas e agressões, é o sonho de todos nós que vivemos de escrever. Mas isto está cada vez mais difícil. Vou continuar lendo teus artigos que tão bem retratam o Brasil. Não vá embora. Fique com meu abraço”. As palavras de Kotscho me lembraram o que outro grande mestre do jornalismo brasileiro, Clóvis Rossi, me escreveu quando me deram o Prêmio Comunique-se de correspondente estrangeiro. Ele me disse com humor que o prêmio era injusto porque não sou um jornalista estrangeiro, mas “mais brasileiro do que ninguém”. Esses abraços de colegas que admiro e amo e que considero como mestres do nosso difícil ofício de contar às pessoas o que o poder se esforça para esconder, compensam quando me escrevem para que eu vá “para a minha Espanha de merda porque não entendo o Brasil”.

Não sei se entendo isso como gostaria, pois de vir para cá, há 20 anos, sociólogos espanhóis e italianos me diziam que o Brasil é um laboratório de coexistência entre as diferenças que deveria ser mais bem estudado. Talvez a intolerância que a luta política semeou tenha ofuscado essa realidade. Se eu talvez não conheça todas as riquezas que este país encerra, sei que eu o amo. Gal Fernandes, que também não conheço, me diz que guardou meu artigo “Tudo é enorme no Brasil, menos o biquíni” porque “adorou”. Gostaria de terminar esta coluna com as últimas linhas daquela peça que ofereço a todos os meus amigos do Facebook, que continuarei a seguir, embora sem participar: “Pequeno, no Brasil, eu só encontrei os biquínis e a falta de generosidade dos poucos que acumulam a maior parte da riqueza do país. O Brasil, com todas as suas corrupções e contradições, é essa enormidade que se deixa amar e que acabou me conquistando”.

 

 

 

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