O silêncio do conversador

Recomendamos o artigo do jornalista e historiador Juremir Machado da Silva, publicado pelo Matinal Jornalismo


Jair Bolsonaro sempre quis dar um golpe. Nunca, porém, teve coragem para tanto. O golpe talvez lhe desse mais prazer do que uma vitória no voto. É da sua essência. Filho do golpismo, o golpe faz parte do seu imaginário. O silêncio que ele se impôs, depois de derrotado nas urnas, não pode ser interpretado apenas como mais um exemplo da sua conhecida falta de educação. Feito um Jânio Quadros mais inculto e grosso, Bolsonaro resolveu deixar correr para, quem sabe, colher o golpe dos seus mais caros sonhos. Isso pode ser chamado também de irresponsabilidade ou de crime de responsabilidade. Cabe ao perdedor, no jogo democrático, reconhecer a derrota para evitar qualquer mal-entendido e desestimular possíveis tentativas golpistas. Bolsonaro precisou de quase dois dias para falar dois minutos. Foi convencido às duras penas a se manifestar para abortar o golpe que seus seguidores propunham bloqueando estradas. Não citou Lula nem disse literalmente que reconhecia a derrota, mas foi o suficiente. Mais uma vez, perdeu.

No geral, tantas fez Bolsonaro que gerou o que não ousou tentar diretamente: estradas bloqueadas por caminhoneiros radicalizados e insuflados por quatro anos de mentiras, fake news e discursos contra o judiciário. Se tivesse falado, como qualquer presidente derrotado, meia hora depois de divulgado o resultado, o capitão teria impedido bloqueio de estradas. Era, no entanto, o que ele queria. Seria a hora de dizer aos bolsonaristas: chega de mimimi. Aceitem que dói menos. Perderam, hora de enfiar a viola no saco e ir cuidar da vida. Ao trabalho, cidadãos. Parte dos que sempre atacaram greves e bloqueios de vias públicas passaram repentinamente a justificar a fúria de quem não tem apreço pela democracia. Não bastasse a ação da Polícia Rodoviária Federal, com suas operações no Nordeste, durante a votação, impedindo eleitores de chegar às urnas, veio a inação depois do pleito.

Os manifestantes que passaram a trancar estradas não tinham objetivo democrático. Propuseram a intervenção das forças armadas contra o resultado eleitoral. Rádios, como a Jovem Pan, que passaram os últimos anos espalhando inverdades e alimentando o ódio, devem estar satisfeitas com a confusão. Bolsonaro, o falador, o conversador de fiado, o bravateiro, encolheu-se e escondeu-se no seu canto à espera do pior. Exatamente como Jânio, que abandonou o poder em 25 de agosto de 1961 esperando ser reconduzido nos braços do povo, Bolsonaro decidiu aguardar uma revolta dos seus adoradores para, quem sabe, ficar no cargo com poderes reforçados e sem a obrigação de respeitar a Constituição e ter de acatar decisões do STF. Se a democracia for mantida no país, será preciso agradecer ao Supremo Tribunal Federal e em especial ao valente ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE.

Não satisfeito em ter isolado o Brasil no mundo, sendo rejeitado pelos principais líderes internacionais, o capitão de festa junina, com seu silêncio depois da derrota para Lula, submeteu o Brasil a um novo vexame: precisar de reconhecimento à eleição democrática do seu próximo presidente. Jânio Quadros, ao menos, sabia falar português. O seu mais novo avatar fechou a boca para melhor expressar o que sempre quis e ainda quer: ser mantido no poder pela intolerância da parte da população que ele alimentou com seu desprezo pelas regras do jogo democrático. Só resta ironizar:

– É hora de Já Ir embora.

Acabou. Foi o que Bolsonaro finalmente admitiu em visita ao STF.

Mas não publicamente. Muito menos para a sua bolha.

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