etrocesso, liderado por uma Suprema Corte de maioria ultraconservadora, vai contra a vontade da maioria e pode pôr fim a um direito conquistado há 49 anos. O que está por trás da decisão e o que ela ensina ao Brasil. O DV reproduz o artigo de Gabriela Leite, publicado pelo Outras Palavras
Na contramão do mundo, a Suprema Corte norte-americana está prestes a tomar uma decisão que ameaça os direitos reprodutivos e a saúde de mulheres. Um documento vazado, que foi a público na noite de segunda-feira, revelou que o tribunal está se organizando para derrubar a decisão histórica que estabeleceu o direito constitucional ao aborto, em 1973.
A Roe versus Wade, nome pelo qual ficou conhecida a decisão, baseou-se na 14ª emenda da Constituição dos Estados Unidos, que trata de cidadania, e estabelece que o Estado não pode impedir uma mulher de fazer o aborto, graças ao direito à privacidade. Hoje, a mais alta corte dos Estados Unidos é formada por uma maioria de seis ministros indicados por presidentes do partido Republicano, conservador, contra três indicados pelos democratas.
Espera-se que a decisão final da Corte venha a público apenas em junho, e o texto ainda pode mudar. Mas o documento vazado serve de aviso para o movimento feminista e aqueles que entendem o aborto como questão de saúde pública, de que as forças conservadoras estão ainda atuantes nos Estados Unidos, mesmo após a derrota do presidente de ultradireita Donald Trump. Se a Roe versus Wade realmente cair – como já era esperado inclusive por políticos democratas –, leis engatilhadas de treze estados norte-americanos automaticamente entrariam em vigor, proibindo o aborto. E, a curto prazo, organizações pelo direito ao aborto do país calculam que cerca de 25 estados poderiam aprovar leis que acabam com o direito.
– O que é realmente impressionante é o quão encorajada essa supermaioria conservadora está, como está disposta a assumir uma série de questões de guerra cultural profundamente divisivas; o quanto decide com indiferença por meio da súmula do Tribunal; quão aberta a fazer mudanças rápidas e profundas em precedentes de longa data – reflete a professora Mary Ziegler em matéria na revista The Atlantic.
O texto vazado tem forte teor conservador, e mostra como esses ministros estão confortáveis com a restrição de um direito que é apoiado pela maioria dos norte-americanos, segundo pesquisa recente.
A deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez alerta que a situação pode piorar. Segundo ela, a Corte pode utilizar a derrubada da Roe versus Wade para condenar outros direitos sustentados na decisão, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e outros direitos civis.
O presidente Joe Biden também se pronunciou contra a intenção da Suprema Corte:
– Se o tribunal derrubar Roe, caberá às autoridades eleitas de nossa nação em todos os níveis de governo proteger o direito de escolha das mulheres.
Mas o trâmite de uma decisão dessa importância é complexo no Congresso: necessitaria de 60% dos votos no Senado – onde os democratas possuem apenas uma maioria estreita.
Apesar de amparado pela lei, o aborto nos Estados Unidos vem sendo restringido em estados mais conservadores, especialmente ao sul do país. Em alguns deles, a medida da interrupção da gravidez chega a ser impraticável. Por isso, muitas cidadãs viajam para estados vizinhos para fazer o procedimento. Mas, com a proibição em mais estados, o deslocamento se tornará mais custoso, criando uma nova barreira para populações empobrecidas e imigrantes.
Como no Brasil, as ricas poderão abortar facilmente, enquanto as mulheres mais vulneráveis terão de se sujeitar a medidas mais inseguras.
– O projeto de decisão não lida com o custo humano das proibições do aborto e restrições severas ao acesso – argumenta artigo publicado no site da ONG Public Citizen.
– A proibição do aborto criminalizaria a procura e a prestação de cuidados de saúde, ameaçando colocar as pessoas na prisão por procurar ou fornecer o procedimento. A proibição forçará as grávidas a fazerem abortos em condições inseguras. Algumas morrerão ou serão feridas. A proibição do aborto forçará outras pessoas a prosseguir com gravidezes indesejadas, com impactos dramáticos que alteram a sua vida.