Relações Verdadeiras

Li um livro de ficção científica onde foi inventado um aparelho de tortura capaz de fazer o cérebro humano entender o tamanho do universo. A punição era considerada a pior possível porque o condenado percebia sua insignificância diante da vastidão do cosmo. Após passar pela experiência e compreender de forma efetiva como o universo é grande, o torturado perde o interesse pela vida e não tem vontade de fazer nada, ciente do quão pouco ou nada influentes são seus atos.

 

No livro é narrado o momento em que o supermoderno sistema falha com o criminoso da vez. Não por um erro no equipamento, mas pela personalidade narcisista do personagem. Depois de alcançar a compreensão do quão vasto é tudo que nos cerca, não aceitou sua existência como inacreditavelmente insignificante, mas sim resultado de tanta imprevisibilidade que passou a considerá-la ainda mais extraordinária. Comecei a refletir sobre este assunto e deparei com uma questão que assola a humanidade desde sempre. Somos realmente importantes? E a resposta é simples: depende.

 

Para nós mesmos, somos essenciais; para nossos entes queridos, importantíssimos; para conhecidos, pode-se dizer que sim e que não; para quem não nos conhece, não fazemos diferença nenhuma. Ou seja, depende. Nosso grau de importância varia conforme a relação. Quanto mais próximo for o relacionamento, mais relevantes vamos ser, logo, se quisermos permanecer importantes, devemos valorizar relações verdadeiras.

 

Uma amizade, namoro, vida conjugal ou familiar, sociedade ou parceria profissional de verdade exige reciprocidade para enfrentar os momentos difíceis, porque são nessas situações que conhecemos a pessoa com quem estamos nos relacionando e podemos medir sua importância na nossa vida, bem como a nossa na dela. Quando pessoas têm objetivo e querem construir algo, é necessário aturar as dificuldades e, superadas as crises, podem considerar que a relação é importante e as torna relevante. 

 

Mas conforme a interpretação do convencido criminoso após passar pelo equipamento ficcional de tortura, percebemos que há um número gigantesco – tão grande quanto o universo em si – de improbabilidade para que algo, mesmo de aparência simples, possa se tornar realidade, nos ensinando que tudo que acontece é tão extraordinário que não pode ser tido como garantido.

 

Por causa deste entendimento, aceitando que não temos nenhuma garantia de que as pessoas que gostamos e nos são importantes permanecerão em nossas vidas, se encontro alguém que gosto, faço questão de demonstrar, para agradá-la e para que perceba que nutro de forma sincera apreço por ela e por sua companhia. Se ela é interessante para mim, gosto de saber como está sua vida, ajudá-la com algum problema e de fazê-la sentir-se bem comigo, não de forma interesseira, mas de forma interessada, pois sei que não temos garantia alguma de que nossa relação não irá acabar a qualquer momento.

 

Refletindo sobre isso, percebi que o condenado do livro, após conseguir compreender o tamanho do universo, entende que nada do que ele faz ou deixa de fazer importa, mas a punição só funciona se a personalidade do criminoso o fizer interpretar a situação como horrível e capaz de tirar sua motivação. Agora, se ele entende que para se manter relevante deve se relacionar com as pessoas que gosta (porque cabe a nós atribuir relevância à vida de quem nos interessa, mesmo que isto não importe para o universo e tudo mais), desta forma a tortura não surte efeito.

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