A coluna desta semana fala sobre racismo estrutural. O conceito se refere ao tipo de racismo que se aproveita das estruturas desiguais da sociedade. Nesse caso, as pessoas já encaram como algo normal todas as diferenças culturais, religiosas, sociais e econômicas existentes entre brancos e negros, acreditando estar dentro da normalidade negros serem perseguidos por seguranças em lojas e supermercados e que não há problema no fato de o negro precisar mostrar a nota fiscal de um produto em qualquer lugar que vá carregando um produto mais caro.
Foi nesse contexto de racismo estrutural que acompanhamos estarrecidos ao assassinato de João Alberto Freitas em um supermercado da zona norte de Porto Alegre, o qual foi espancado até a morte às vésperas do dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) por seguranças que trabalhavam no estabelecimento.
Primeiramente, o negro, quando se desloca a um determinado lugar, carrega consigo sua vida, sendo levado em conta os possíveis crimes que ele cometeu ao longo do tempo. Atualmente, com as redes sociais transbordando de informações mentirosas, que chamamos de “fakenews” para atenuá-las, o negro leva consigo até crimes que não cometeu, precisando provar que não estava praticando determinado ato ilícito. Desse modo, as redes sociais já estão inseridas no racismo estrutural da sociedade.
Já em poucos minutos após a atrocidade contra João Alberto, apareciam diversas fichas criminais do assassinado, muitas delas com diversas contradições se comparadas entre si. Além do mais, como os seguranças sabiam dessas supostas fichas criminais? E se caso soubessem, é função deles a de punir criminosos que ingressam no estabelecimento? Quantos vezes brancos têm sua ficha criminal levada em conta quando saem para fazer suas compras? Por que foi procurada a ficha criminal da vítima e não dos agressores que estavam cometendo o crime? Ou seja, as “justificativas” buscadas pelas pessoas que já estão acostumadas com a estrutura racista da sociedade não possuem lógica. A justificativa é sempre procurando avalizar o assassinato cometido pelos seguranças.
Evidentemente, nossa sociedade não se sente confortável para falar sobre algo tão grave como o racismo. Sendo assim, ela busca tirar sua culpa utilizando como mantra a questão de “consciência humana”, sendo todos nós supostamente “iguais” Essa igualdade que a maioria de nós fala ainda é uma utopia distante e provavelmente inalcançável pois são sempre os negros os primeiros suspeitos dos crimes investigados; são negros que têm sua morte justificada em diversos lugares por distintas informações desencontradas. Esse problema precisa ser enfrentado, e para que isso seja feito, precisamos dar o primeiro passo, que é o de reconhecer o racismo que existe ao nosso redor ou em nós mesmos. Atualmente, além dos crimes de racismo, o negro precisa encarar as redes sociais já acostumadas a justificar atos racistas e não tendo pessoas com disposição para encarar o racismo e discuti-lo de forma correta.
Embora nossos governantes estejam falando erroneamente de que estamos importando o discurso antirracista da Europa e dos Estados Unidos, ainda é a única forma de evitar novos casos como o do João Alberto em nosso país. São negros as crianças e os adolescentes mortos em operações policiais nas periferias, assim como são negros vítimas das maiores atrocidades.
O Brasil, infelizmente, não é uma democracia racial. Embora não tenhamos um racismo de segregação como o existente nos estados do sul dos Estados Unidos, temos um racismo de assimilação. Ou seja, aparentemente, os negros convivem com os brancos e vivem com a sensação equivocada de igualdade. Enquanto isso, negros são minoria nas universidades (tanto como alunos como também como professores), negros são minoria em empregos com as melhores remunerações.
Nossa sociedade assimilou o negro, mas não o incluiu. Desse modo, aceita a convivência com os negros, desde que eles executem trabalhos com baixa remuneração que a maioria dos brancos não quer fazer; nossa sociedade tolera a presença do negro nos estabelecimentos comerciais, desde que eles não vejam problema de serem sempre os primeiros suspeitos de um ato ilegal ou carreguem consigo a culpa por atos cometidos fora dali.
Enfim, não há necessidade de puxarmos a ficha criminal de ninguém que vai fazer suas compras, pois investigações desse tipo são funções exclusivas da polícia, e não de redes privadas de supermercado. Um fato em si é o mais relevante: um individuo negro foi espancado até a morte por pessoas que deveriam trazer segurança no supermercado, inclusive para o próprio João Alberto.
Precisamos discutir sim o racismo estrutural, para que nos próximos casos de assassinato a pessoas negras, as redes sociais não espalhem fichas criminais pelas quais as pessoas nem sabem se é verdadeira – mesmo que fossem, é função da polícia investigar, não dos seguranças do supermercado.
As pessoas buscaram a ficha criminal do negro para procurar justificativa, em nenhum momento se divulgou a ficha criminal daqueles que cometeram o assassinato no supermercado. Assim é possível dizer que, Infelizmente, algumas pessoas não estão preocupadas com atos criminosos, pois até procuram justificativas para explicar o assassinato cometido contra um indivíduo negro.
Ígor Andrade Cardoso é especialista em ensino de História e de Geografia.
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