Saul Teixeira | Tamoio e o estágio digno de Copa do Mundo

IMAGENS : Saul TeixeiraArquivo pessoal

Estava no terceiro dia como estagiário de Jornalismo. A escala me mandou ao estádio Edgard Leitão Teixeira, o popular campo do Tamoio, no centro da cidade.

Em pauta um seleto grupo de ex-jogadores que atenderam ao chamado de Paulo Roberto, campeão Mundial pelo Grêmio, em 1983. O ingresso era alimentos não perecíveis.

Meu primo mais novo me acompanhava. Tirei o gravador da mochila, testei o áudio e fui à luta.

– Bom dia, Taffarel! Primeiramente, muito obrigado por 94.

Ele responde:

– Que nada, guri, nós que agradecemos pelo apoio e pela torcida de sempre

Sigo:

– Hoje é minha estreia como estagiário. Poderia me relatar a importância deste amistoso?

Taffarel, solícito, completa:

– Claro! O futebol hoje aqui está em segundo plano. O principal é a iniciativa solidária do Paulo Roberto. É muito gratificante estar entre amigos e ajudar quem mais precisa.

Saul com Taffarel

 

Agradeci! Imediatamente deixei o profissionalismo de lado e apelei para a tietagem. Poso pra foto e colho o autógrafo de um dos principais responsáveis pela minha paixão quase platônica pela arte de chutar a bola. Meu primo faz o mesmo, embora tivesse apenas três anos quando da Copa do Mundo dos Estados Unidos.

A bola rola. Taffarel como falso 9. Literalmente, hehe!! Chuteiras vermelhas, modelo idêntico ao que Fernandão ostentou contra o Barcelona nove meses antes. Paulo Roberto, o anfitrião, na função de camisa 8. Entretanto, a 10 teria sido pouco pra ele. “Quanto desperdício técnico ter sido lateral”, pensei. Àquela altura, eu ainda não sabia que o futebol brasileiro dos anos 70, 80 e início dos 90 era pródigo de craques do goleiro ao banco de reservas.

PC, cria do Tamoio

 

Batista, ex-jogador da dupla, da Seleção, e comentarista, também estava na barca. Não desmaiou, embora a sensação térmica fosse de 300 graus à sombra na Capital do Mundo. Feitooooooo!! Paulo Brito também presente, além do craque do Futsal, Ortiz e o ex-zagueiro e treinador Argel, o homem do trator que pifou num Gre-Nal disputado às 11 da manhã no Beira-Rio anos mais tarde, hehe!

Final de clássico. Não lembro se ficamos para o almoço festivo. No dia seguinte, baixo as fotos, decupo as entrevistas, fecho o texto e passo à editoria. Na sexta-feira posterior, o lugar mais alto do pódio: conteúdo nas páginas com os devidos créditos. A sensação foi de bola na rede. Ou melhor: Bola de Ouro.

Anos mais tarde, volto ao mesmo palco para cobrir a mesma pauta. Vivi para ver o pequeno público vaiar efusivamente toda a vez que Roberto de Assis Moreira, o irmão de Ronaldinho Gaúcho, pegava na bola. Vaia muito mais que merecida, diga-se de passagem. Futebol não pode ser reduzido à lógica perversa do capitalismo selvagem. E tenho dito.

Em outro ano, nova experiência marcante no mesmo jogo festivo:

 

– Saul, nosso narrador não poderá vir. Tu podes?

– Nunca narrei, mas homem feio sem coragem não arruma namorada.

– Então tá. O microfone é todo seu. Boa sorte!

E assim fui. Aos trancos e barrancos, mas fui. “O narrador é ruim, mas é o que a casa oferece”, dizia eu, como bordão e arrancando gargalhada inclusive dos próprios jogadores.

Em outras dezenas de vezes voltei ao estádio para registrar jogos das categorias de base do rubro-negro nas tardes de quarta-feira. Na esmagadora maioria das vezes contra a dupla Gre-Nal.

Chegava e… pênalti contra! Noutro dia, gol do rival… Em outro, jogador nosso expulso. E assim foi por longos jogos. Felizmente para o Índio Viamonense, eu fazia algumas fotos e logo voltava à redação. Ao final dos jogos, ligava para a diretoria para saber o placar derradeiro. Não raras vezes, tínhamos virado o marcador. O apelido de Micky Jaeger, porém, era mais do que inevitável.

Na última terça-feira, o rubro-negro celebrou 77 anos de uma linda história. Paíca, Paulo Roberto, Pedrinho e o goleiro Fernando Prass são alguns dos amadores que chegaram ao profissionalismo e ganharam o Rio Grande, o Brasil e o Mundo. Atualmente, o Tamoio Futebol Clube é uma das forças da elite do futebol gaúcho nas categorias da gurizada.

Meses atrás, no corrente ano, é claro, voltei a região próxima às margens da ERS-118. Não resisti, retirei o fio de luz vermelho que prendia o portão de ferro lateral e fui pra galera.

Foto fake como treinador. Clique feito pelo meu colega de trabalho. Depois, realizei giro 360 graus. Memórias lotando as arquibancadas. Saudade dando goleada e…

– Au, au, au, au!!!

Eu e o meu amigo estamos correndo até hoje. Com a certeza de que o Tamoio, de fato, é um clube bom (também) para cachorro.

Obrigado, Rubro-Negro da Velha Capital. Que venham os próximos 100 anos. Com muitas memórias, estreias, poucas vaias e bola na rede em abundância. O que o estágio uniu, ninguém separa.
Que os deuses do Jornalismo Esportivo digam amém.

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