Do início da crise de saúde até a confirmação da morte, o estado clínico de Valdir Jorge Elias foi mantido sob um sigilo inquietante. População, meio político e imprensa aguardavam com ansiedade os boletins médicos oficiais, que eram liberados somente após revisão da Prefeitura. Cada minuto daquela derradeira semana tornava mais espesso o véu da desconfiança que encobriu Viamão.
No encerramento da série que marca o primeiro ano sem Russinho, o DV recorda os últimos momentos do prefeito em exercício da Velha Capital. Família, amigos e lideranças locais revelam detalhes até hoje ocultos do grande público, mas que jamais deixaram de frequentar os corredores do poder viamonense.
8 de julho – os primeiros sintomas
Fontes do Gabinete do Prefeito à época dão conta de que Russinho demonstrava um cansaço além do habitual. No fim do expediente, sentiu-se mal e recebeu atendimento na UPA. Oficialmente o caso – que só veio a público dias depois – foi tratado como pontual e resultado de uma queda de pressão arterial.
12 de julho – o teste ocultado
A agenda do prefeito em exercício não sofreu alteração. Na tarde de 9 de julho, religiosos aproveitaram agenda no Gabinete e rezaram pela saúde do chefe do Executivo. As orações geraram rumores sobre a real dimensão da crise de saúde da noite anterior.
Apuração do DV confirmou, no dia 12 de julho, que a equipe médica que atendeu Russo na terça-feira (8) suspeitou de COVID-19 e coletou material para análise laboratorial. A comunicação da Prefeitura negou a realização do teste.
15 de julho – panos quentes na internação
No fim da manhã da quarta-feira, 15 de julho, a confirmação: Russinho estava infectado pelo novo Coronavírus. O anúncio lacônico, em breves linhas, informava que o prefeito seria submetido a isolamento domiciliar por dez dias, mas que seguiria trabalhando e que não se licenciaria do cargo.
Horas depois, o Diário revelaria com exclusividade que o prefeito em exercício estava, na verdade, internado no Hospital Viamão (HV). A piora do quando ocorrera na noite anterior (14), quando Russinho foi levado às pressas para a UPA.
– Ele (Russinho) chegou ao hospital com baixa saturação (oxigenação sanguínea). Os médicos conseguiram controlar, e esperamos que ele vá para casa o mais rápido possível – revelou o secretário da Saúde na ocasião, Glazileu Aragonês.
Às 15h30min do dia 15, Russinho estava em leito de UTI, embora consciente e sem necessidade de respirador mecânico. A Comunicação da Prefeitura, no entanto seguia sustentando que o prefeito estava sendo “apenas monitorado”.
Horas depois, o Gabinete admitiu o fato, porém alegou que a internação havia se dado “por escolha do prefeito”, que buscava “mais conforto no tratamento”.
17 de julho – normalidade aparente
O relato da família no dia 17 seguia a mesma linha adotada pela Administração.
– O pai está em observação. Médicos e a família entendem que é melhor assim. Ele (Russinho) também prefere ficar no hospital neste momento – disse Bruna Elias, uma das filhas, na ocasião ao Diário.
Um ano depois, é a própria Bruna que desfaz a impressão de normalidade oficialmente transmitida ao povo.
– Ele (Russinho) não vinha se sentindo muito bem. Na última noite antes de ir para o hospital, ainda sem saber do resultado positivo para COVID, pedia algo que o ajudasse a respirar para que pudesse ficar em casa – recorda.
18 de julho – agradecimento nas redes
Nas redes sociais, Russinho agradeceu o apoio da comunidade e dos médicos. As breves linhas assinadas por ele no sábado (18) é a única manifestação pública após a internação.
O boletim médico do dia declarava que o prefeito em exercício permanecia em UTI, e que respirava com ajuda de oxigênio fornecido por máscara. Contudo, defendia que havia melhora gradual do quadro clínico.
20 de julho – o Hospital admite a gravidade
A semana iniciou com notícias ainda mais preocupantes. O boletim médico da segunda-feira (20) comunicava piora da capacidade pulmonar.
– A instabilidade respiratória é grande. Russinho necessita de muito oxigênio para estabilizar sua oximetria (transporte de oxigênio pelo sangue) – complementou o médico João Almir Camargo Jorge, diretor técnico do Hospital Viamão, ao DV.
Eram as últimas horas de vida de Russinho.
21 de julho – silêncio na véspera da tragédia
No Gabinete, no HV e mesmo entre os familiares, o silêncio passou a imperar. A comunicação com a imprensa foi cortada.
A margem para especulações aumentava, enquanto Executivo e Legislativo questionavam a continuidade administrativa do município.
– Na prática, a cadeira de prefeito estava vaga. Por mais que dissessem que o Russinho estava consciente, do ponto de vista jurídico, qualquer ato administrativo podia ser questionado… não havia transparência sobre o que acontecia no Gabinete ou na UTI – entende uma fonte ligada à Câmara de Vereadores que pediu para não ter o nome revelado.
Uma reunião de última hora, na noite do dia 21, definiu que parlamentares iriam até o hospital na manhã seguinte. Em paralelo, aumentavam as pressões para que o presidente da Casa do Povo, Dilamar Jesus (PSB) assumisse a Prefeitura. De olho nas eleições, nem o socialista, nem o sucessor imediato, Xandão Gomes (Republicanos), queriam ocupar o Palacinho.
22 de julho – o bilhete de despedida
Nos momentos finais, a família pediu privacidade. Enquanto a cidade acompanhava seu prefeito, filhos, netos e amigos se reservavam na dor pelo ser humano que convalescia. É um fio tênue entre a transparência exigida da pessoa pública e a invasão da vida pessoal.
Um ano depois, a filha Bruna fala sobre as últimas horas de vida do pai. Ela destaca a distância física imposta pelos protocolos hospitalares, a piora súbita e a última conversa, através de um bilhete.
– Na noite antes dele falecer, enviamos um bilhete acompanhado de um coraçãozinho para o hospital. A enfermeira nos disse que o pai passou aquela última noite agarradinho no bilhete – revela.
Mensagem enviada a Russinho no hospital – IMAGEM: Arquivo da família
Sem conseguir respirar, Russinho foi entubado na madrugada do dia 21 para o dia 22. Teve uma parada cardiorrespiratória no início da manhã e foi reanimado. Horas depois, os médicos não conseguiram reverter uma segunda parada.
– Foi uma piora rápida. Parece que depois que recebeu nosso bilhete e soube que estávamos bem, o pai pode descansar – desabafa Bruna.
Coração acompanhou bilhete – IMAGEM: Arquivo da família
Despedida e pressões
Comoção, homenagens e incertezas. Enquanto o luto era vivido na cidade, correntes políticas levantavam dúvidas sobre o real estado de saúde de Russinho. Surgiram acusações veladas entre apoiadores e opositores, e que ainda reverberam nos dias atuais.
– Repito: se fosse entubado, o presidente da Câmara, fosse quem fosse, teria que assumir. Será que não seguraram demais essa necessidade? A situação queria entregar o controle da Prefeitura, mesmo que por um dia? Se não fosse a pressão pelo cargo que ocupava, Russinho estaria vivo? – questiona um vereador que pede para preservar o nome em sigilo.
– A intubação traria a consequência de que nada mais andaria administrativamente. E depois que assumi (como prefeito), descobrimos que muita coisa foi feita no período em que o Russo esteve hospitalizado. Por isso, o meu sentimento é que sim, houve uma pressão para que não acontecesse a entubação – afirma o ex-vereador e ex-prefeito em exercício, Evandro Rodrigues (DEM).
– Na verdade, o Russinho era nome de consenso para a sucessão, mas ocorreu muita pressão na Câmara e por parte de lideranças. Quando ocorreram os processos tentando a cassação do André (Pacheco), também ameaçavam que ele (Russinho) seria o próximo, mesmo sem nenhum tipo de fato, só por desgaste – avalia o ex-diretor administrativo da Prefeitura, Paulo Quintana, o Paloma.
Na outra ponta deste nó político, o diretor administrativo do Hospital Viamão fala sobre a relação médico-paciente:
– Foi um momento extremamente triste e complicado. Estamos falando de um prefeito e da pressão que isso nos trouxe. O Russinho era uma pessoa querida por todos, foi uma perda dura para nós, mas todo o suporte necessário foi dado – recordou João Almir Camargo Jorge ao DV em março deste ano, no especial sobre o primeiro ano de pandemia.
– A gente estava pensando muito nele como pai, como família. Só temos a agradecer a toda equipe do Hospital Viamão, que sempre foi muito atenciosa e se empenhou muito – afirma Bruna Elias, sem opinar acerca das hipóteses levantadas.
Russinho, e sua existência abreviada pela COVID-19, sempre será um capítulo em aberto na história política de Viamão. E assim, trajetória e morte servirão de enredo para contextos, projeções e mitificações ainda por muito tempo.
Exageros e crenças à parte, é preciso reconhecer o lugar de Valdir Jorge Elias entre os grandes de Viamão.
– O pai fez a vontade de Deus, e descansou. Mas sempre digo pra mim mesma que o trabalho e a história do meu Russinho ficaram no coração de Viamão. E no meu – finaliza Bruna.
Bruna (D) no aniversário de Russinho – IMAGEM: Arquivo da família
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