Quando eu corria, eu percebia que aqueles passos dados com tanta firmeza e concentração, eram mesmo uma celebração e uma aceitação a respeito das coisas que eu não poderia mudar. E cada instante no percurso, uma possibilidade de pensar mais uma vez, elaborar mais uma vez. E mais uma, e depois outra. Sobre qualquer coisa que fosse, sobre a vida, sobre algo, sobre alguém.
Então, enfrentando a trajetória, principalmente nos percursos circulares, passando mais de uma vez no mesmo lugar, ficava claro que as coisas não continuam as mesmas, nunca. Que no tempo da realização de um círculo de um quilômetro, totalizando em média cinco minutos, a vida já tinha se refeito inúmeras vezes.O bebê havia chorado e sido consolado, o casal havia se apaixonado e divorciado, o peixe tinha vindo para a superfície e desaparecido de novo.
E observando assim, compreendia que eu não poderia fazer nada para mudar aquilo. A não ser chegar, ou, nunca mais parar de ir…Lembro de sentir medo de não conseguir completar uma volta inteira, medo de precisar parar.Muitas vezes me aconteceu, mas hoje eu sei que consigo aguentar o que surge, e o que me surge é sempre muito. É demasiado. Surge um tombo, pedrinhas no tênis, cansaço, dor. E as vezes pode ser insuportável, como aquele desconforto no quadril, que dificulta a respiração e que impele a pausa.
Mas o treino constante, vem para amainar essas elevações. E um belo dia, percebe-se que ficou mais fácil. Sem fogos de artifício, nascendo de uma mera percepção banal. Jamais deixando de ser difícil, ardido, mas de repente… fica verdadeiramente mais fácil. É possível respirar, observar a paisagem, e talvez até mesmo conversar. Porque estabiliza.
E nesse novo fluxo, as coisas ganham mais sentido, o desespero de não conseguir completar o percurso, vai embora. E o que fica, é a certeza de conseguir atravessar. Não sem medo, não sem elevações, não sem pedrinhas… Demonstrando que o que muda, no final das contas, não é só o ambiente, mas também, o sujeito que plana ali. E que dança nesses entremeios de perturbação e beleza. Que num instante já não é mais o mesmo, assim como nada ao seu redor.