A praça das seis mulheres: o apelo das merendeiras que não recebem salários desde dezembro

Dessa vez não teve carreata preocupada com a economia, o desemprego ou a fome. Não teve carro de som cobrando o direito de protestar, nem escolta defendendo a livre expressão. Ao contrário, as forças de segurança estavam presentes para reprimir o manifesto. Sentadas na calçada e cercadas por três viaturas da Brigada Militar, nove policiais e cinco agentes da Guarda Municipal, seis merendeiras passaram a tarde da quarta-feira (1º) em frente ao gabinete do prefeito de Viamão. Elas permaneceram lá das 14h às 20h, tentando que Russinho as recebesse. Esse pequeno grupo não queria pedir nada que colocasse a população em risco em tempo de covid-19. Essas mulheres, todas mães de família, estavam lá na tentativa de receber salários e direitos trabalhistas atrasados.

– Basta comparar. O dia todo entrou e saiu empresário do gabinete por causa do coronavírus. Estão dizendo que não têm como pagar as contas. A gente não recebe salário desde dezembro – pede a merendeira Vânia Rodrigues, uma das seis trabalhadoras que foram à praça tentar romper a barreira da invisibilidade.

Vânia é merendeira, e uma das 300 funcionárias da Koletar, terceirizada que teve o contrato de prestação de serviços suspenso pela Justiça em decorrência da Operação Capital – aquela que afastou o prefeito André Pacheco, cinco secretários e um vereador (proprietário da empresa) por suspeita de corrupção. O escândalo estourou em fevereiro, mas ela e as colegas seguiram trabalhando até 18 de março.

– Mesmo sem contrato, os diretores (das escolas) mandaram a gente ficar trabalhando. Já ficamos sabendo que não vão pagar esses dias – afirma.

O escândalo deixou essas centenas de mulheres – pessoas humildes que realizavam limpeza nos postos de saúde e merenda e limpeza de escolas ganhando pouco mais de um salário mínimo bruto – sem os pagamentos de dezembro, janeiro e fevereiro, vales transporte e refeição, décimo terceiro e FGTS, que segundo elas relatam, não era recolhido regularmente havia seis meses.

Vânia mora com o marido, desempregado desde outubro, e três filhos – de 6, 7 e 14 anos – em uma casa simples na Cecília, perto da escola em que trabalhava. Hoje sobrevive da ajuda de amigos, vizinhos e da comunidade escolar.

– A gente não tem o que comer mais. Eu vivo de doações e estou desesperada.

Após cinco horas paradas em frente ao gabinete, Vânia e as outras ex-funcionárias foram recebidas por um assessor do prefeito. O recado que Russinho enviou foi curto e evasivo: que a questão deve ser tratada na Justiça.

– Me sinto desrespeitada. Ficamos na porta a tarde toda, só nos deram uma garrafa pet, dessas de refrigerante, com água. A prefeitura fez o cálculo, mas avisou que pagamento só por via judicial. Estamos com medo, porque a Justiça está parada – revelou.

A Justiça paralisada em função do coronavírus, a prefeitura agindo com lentidão no caso das ex-funcionárias terceirizadas. A cereja do bolo veio para elas um dia antes de pararem os serviços nas escolas e nos postos de saúde.

– Revoltante, foram rápidos para aumentar os próprios salários, votaram no dia 17, o prefeito autorizou no dia 19 e no dia 20 os vereadores já tinham até recebido. Só não podem fazer nada por nós – lamenta.

O dia da mentira fechou com chave de ouro para essas trabalhadoras.

 

O que diz o governo

 

O texto é o que já foi repetido pela prefeitura no início de março, data de protesto anterior das merendeiras e serventes: como a Operação Capital bloqueou as contas da empresa, só uma ação judicial dos funcionários pode liberar recursos para o pagamento das dívidas. 

Com a palavra, Valdir Elias, o Russinho (MDB). O Diário de Viamão mantém o espaço aberto para que o chefe do Executivo se manifeste.

 

Entenda o caso

 

O prefeito de Viamão André Pacheco (sem partido), os secretários Pedro Joel Oliveira (Fazenda), Carlito Nicolait (Saúde); Milton Jader (Administração), Dédo Machado (Governo), Jair Mesquita (Procuradoria Geral) e o vereador Sérgio Angelo (PV) foram afastados por 180 dias por decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ) sob suspeita, conforme o Ministério Público, de irregularidades em contratos de prestação de serviços. Dois empresários, cujos nomes não foram revelados, também estão entre os investigados.

Promotores de Justiça da Procuradoria de Prefeitos e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), com apoio da Brigada Militar, fecharam a prefeitura e cumpriram 20 mandados de busca em Porto Alegre, Gravataí, Igrejinha, Novo Hamburgo e Florianópolis, nas casas dos políticos afastados – inclusive do prefeito, no condomínio Cantegril – e sedes das empresas investigadas.

Nenhum dos políticos foi preso. Mas por seis meses eles ficam proibidos de entrar no prédio da prefeitura, em secretarias e autarquias e também de manter conversas entre si ou com testemunhas do processo.

Conforme o Ministério Público, as irregularidades superam R$ 10 milhões.

 

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