Aquela descabida e inevitável sensação, outra vez. Não agora, para uma criatura esfolada de vida, transparente nos atos e amante de tudo que é belo. Outra vez apaixonada. Não! Já não cabia lágrimas em seus olhos vívidos. Já não fazia sentido outra história em seu legado de fêmea. Não era tão jovem, nem por isto deixava de amar, mas novamente sofrer por amor era burrice plena. Porque a paixão sempre acarreta danos… tristeza. No seu caso, era até uma quase caduquice escancarada.Um erro!
A criatura em análise era bela. Jovem. Descendência italiana. Muito gaúcho. Com aquela qualidade física surpreendente. Aquela que outros homens até invejam nos banheiros. Já estava grisalho, apesar de seus quarenta e poucos anos. Tinha encantamento no olhar e nas mãos. Mãos de homem. Com rara sensibilidade. Até uma certa leveza cirúrgica.
Ele tinha dons mediúnicos. Aos olhos do amor, ele curava. Estancava o mal de todas as mulheres. As carências afetivas. Os medos. Os traumas. Presentes, passados e até os que futuramente, viriam. Praticava o Budismo. Sua palavra preferida era o “Namastê”. Sussurado, expandido em sua rede social. Enaltecido quando conversava online com alguma mulher carente e já envolvida com suas qualidades físicas e intelectuais, seu coração e seus textos de literatura. Na adolescência, ele praticava jiujitsu. Nele também existia uma notada força muscular, o que lhe dava característica de macho perfeito.
Era escritor. Escrevia com raro talento. Compunha frases com o maior mérito, ao mesmo tempo em que dedilhava versos em seu computador como se tivesse atravessando o céu. Tudo nele resplandecia. Era um cirurgião de frases. Cortava palavras quando era necessário. Cortava ideias com um bisturi invisivel. E iludia o texto, quando o sabor da história já não tinha tanto sentido.
Às quintas-feiras, viajava para Porto Alegre para fazer uma interminável participação numa oficina literária. As colegas da turma deliravam. Para ele, aquilo cheirava a mestrado. Precisava aprimorar ainda mais seus textos. Mais do que o necessário. Mais do que sua imaginação e vocação exigiam.
Dominava a literatura clássica e também a moderna. Gostava de ler. Parava em cada canto dessas viagens à Capital procurando livrarias. Queria chegar ao aperfeiçoamento estético e gramatical. Em Porto Alegre, tinha uma livraria da qual se tornou frequentador. Situava-se dentro de um Shopping. Numa só passagem por lá, adquiriu quinze livros. E um extra, que ele presenteou para a recente loba e boba apaixonada. Na dedicatória, toda extensão de sua lábia amorosa. Na dedicatória, a certeza do envolvimento. Ou de mais um prazer existencial. Quiçá carnal!
A presenteada teve a sensação de um orgasmo com o texto dele. Sabia cativar. Sabia despejar olhares. Sabia tudo da vida. Sabia emocionar. Sabia escrever. Era galanteador e envolvente. As mulheres surtavam com ele. Suas colegas poetisas e escritoras da oficina literária não tinham olhos para mais ninguém, depois de conhecê-lo.
Ele tinha a pretensão de, mais tarde, escrever um romance apoteótico. Destes de ganhar prêmios. Destes de arrepiar os leitores contumazes. As mulheres, por certo, passariam dias lendo sua obra. Reprisariam. Leriam, de preferência, em suas camas. Encantariam-se com seu talento literário. Pois ele transportava para seu trabalho todo o amor que sentia pela vida, por fatos interessantes e por loucas paixões. Principalmente por livros.Tão inteligentemente descritos por Gustavo Flaubert, escritor francês do Século 19 em sua obra “Bibliomania”.
Se o quisessem fazer feliz, que o presenteassem com livros. Segundo ele, o principal achado da civilização. Sem eles, não haveria mais nada para ser apreciado no mundo. A não ser, talvez as pernas e os olhos de algumas mulheres escolhidas, que navegaram secretamente em seu universo criativo. Surpreendendo-o com sabedoria. E, para as quais parecia não dar a menor importância. Seu ofício, sim. Esse era sério. Era seu combustível de vida. Sua principal atração.