O que restava fazer era caminhar de botas por aquela rua molhada. Tão úmida que ficou escorregadia. Comprometia até os passos, atropelados por um caminhar lento, em comunhão com ideias reflexivas.
A chuva já quase estancara. A insistência em viver e assumir certos riscos era evidente no fundo daquela ruga circular que ela mantinha nos olhos.
Paciência, perseverança, citavam os mestres. Mas talvez até eles, em algum momento da vida, pensavam no mundanismo da existência. Esquecendo os ritos e aquela vontade soberana de se purificar. A carne é fraca, diz o dito popular. Não precisa ser mestre, chefe ou guru para entender que quem está na chuva tem que se molhar.
Estranha criatura esta: de botas pretas emborrachadas na chuva da ruela suja. Quem teria jogado tanto lixo no chão? O que provocaria a pressa do rato, que numa rapidez assustadora, entrou chispando no bueiro. Os ralos e os detritos consumidos… tudo parecia nojento. Com certeza era.
De resto, mistérios contidos na vida e na chuva. As águas são transmutações. A vida é cósmica.
Ao longe, um velho tossia. A umidade feria qualquer pulmão. Os bolores e os odores andam sempre juntos.
Já em casa, desta vez em área seca, toca o telefone. Era a voz da agradável e sorridente Maria convidando para um giro num descolado Pub do Moinhos de Vento. Boa ideia!
Novamente a chuva. Que ia e vinha, que não desistia de molhar, fosse a rua, as pessoas ou os ratos, que, inevitavelmente, fugiam como ladrões. Atentos somente às suas vontades. Acreditando serem bonzinhos. Embora sejam repugnantes e traiçoeiros. Apreciadores de um bom queijo.
Sempre roubado!
Depois, a vitimização: “é a sociedade que reprime, machuca e marginaliza”. Viva a chuva! Salve as águas! Jamais os ratos.
Eles são nocivos demais!