Pensando nas possibilidades da vida ela repensou seu caminho. Era necessário uma mudança, uma conquista. Sair da passividade. Conectar-se com o verdadeiro. Fazer valer a existência. Já tinha percorrido caminhos demais. Se humilhado demais. Escutado demais. Espelhado-se demais.
Agora se observava no próprio espelho. A bifurcação do sonho se encontrava com a realidade. O caminho já não tinha obstáculos. Tudo se desenhava à sua frente. De uma maneira inteligente, vertiginosa e produtiva.
Já havia inventado tantos sonhos. Alguns não realizados. Já havia amanhecido tantos dias. Apreciado tantos sóis. Já havia conhecido lugares, pessoas e países. A vida valeria a pena? Já filosofara muito e mergulhara fundo no desconhecido. Nos côncavos da alma. Como Einstein um dia mergulhou. E ele só tinha pensamentos sólidos. Ela teria forçosamente que se espelhar no gênio que ele era.
Mas esquecia, às vezes, de olhar mais detalhadamente para a sua participação como atriz na vida. Para o tempo que passava. Para as ruínas que sobravam. Não observando a dinâmica por cima do chão. É na terra que tudo nasce, cresce e morre. Semente e gente. Tudo misturado. Tudo uma só ciranda.
Sobre minha existência, disse um dia Albert Einstein,na obra “Como vejo o mundo”: “Claramente enxergo minha estrita dependência intelectual e prática do outro. E descubro ser minha natureza semelhante em todos os pontos à natureza do animal que vive em grupo”.
Estende-se Einstein: “Como um alimento produzido pelo homem, visto uma roupa fabricada pelo homem, habito uma casa construída por ele. O que sei e o que penso, eu o devo ao homem. E para comunicá-los utilizo a linguagem criada pelo homem. Mas quem sou eu realmente, se minha faculdade de pensar ignora a linguagem? Sou, sem dúvida, um animal superior, mas sem a palavra a condição humana é digna de lástima.”
Desprovida de anáises profundas, começou a pensar num livro. No sonhado livro escrito e documentado para a posteridade. Mas o que reservara a posteridade? Além do esmalte verde em sua unha. Sua carreira quase sem sentido. Seus títulos. Seu rótulo universitário. Esquecia quem realmente era. Perdia a identidade. Não o rumo. E, repensava como fêmea, no delicioso beijo recebido. Este, a fazia enxergar uma realidade mais feliz. Talvez até nunca sentida por Einstein em sua profundidade de pensar.
Mas teria ele,uma figura de mente inquestionável, mergulhado num beijo saboroso, em algum dia de sua inteligente vida? Se é que felicidade existe, ele saberia. O que agora recordava era o calor daquele lábio em seu rosto. Só por ele valeria a pena sua existência. Ah…a simplicidade, e a importância de um beijo inesperado!
Na cozinha, olhando a cafeteira e a pedra esotérica da lua cheia ,depositada na mesa,teve certeza do futuro. Neste desejo de mutação. Escrevendo revelaria sua verdade. Toda escrita tem um pouco de psicanálise. E misturou também sua estória naquele outubro atípico. Ar diferente, mesclando frio e calor. Transbordando numa atmosfera inquieta. Foi percebendo um sabor mais autêntico no café.Talvez até, por este café, ser tão exclusivo. Feito para ela pelas mãos de um amigo especial. E percorrendo uma vida jamais imaginada. Pois viver é se encontrar.De que adianta um sonho sem direção. Agora, já avistava um caminho. Movida pela imensa curiosidade que a caracterizava. E pelas perguntas incessantes que fazia. Agora é viver. É escrever. Saborear a matéria-prima revelada pelo silêncio. E escrever, na paz, até a exaustão.(Ana D´Avila)