Ana D`Avila | Gre-Nal amoroso

Ela era gremista. Ele colorado. Os tempos eram bicudos. Tudo fervilhava no país encravado no mapa da América Latina. Além do mais, não era hora de grandes paixões.

Mas eles tiveram um “affair”. Um transe. Uma aparente amizade, que já nasceu depressiva. Que foi se transformando em algo maior, mas fadado a um término incomum. Até que, num Gre-Nal verdadeiro, eles brigaram. Foi para sempre. Como sempre é a vida, o ar que respiramos, as pulsações da Terra. A certeza da morte.

Ela, nascida na classe média, nunca se preocupou com a fome. Não necessitava. Criada ao sabor da liberdade, não conhecia outros valores a não ser o de nunca roubar e se manter asseada todos os dias. Sua pele brilhava de tantos banhos. Seguia a risca o que para tantos era óbvio.

Diária e insistentemente pela manhã, acontecia o banho. Com sabonetes especiais e cremes hidratantes. Depois, o café. Que sempre era consistente: queijo, pão, leite e ovos. Assim, bem alimentada e limpinha, iniciava seus dias.

Ele, da classe média, sabia da fome. Embora não necessitasse, ouvia o que seu pai dizia: “Procure economizar em tudo, tenha uma vida simples, vá direto ao que interessa, boa alimentação e nada de desperdício”.

Seguia ainda os valores e as recomendações de seu avô, que veio para o Brasil em 1874. Fazia parte da grande leva de imigrantes italianos que colonizaram o solo gaúcho. A família conhecia muito bem o histórico da fome no mundo.

A realidade tropical era boa. No Brasil, poderiam plantar e colher. Viver melhor. Foi o que fizeram com garra e determinação. Com planejamento e esforço, tornaram a serra gaúcha um celeiro de desenvolvimento. E transformaram suas carências pessoais em fartura.

A amizade do casal ia de vento em popa quando descobriram suas diferenças. Algumas difícies de entender. Para ele, o que sempre ficava eram os valores de sua origem. Europeus já haviam passado por grandes sofrimentos com guerras e fome. Tudo é muito novo no Brasil, mas as populações descendem ou trazem em seu âmago muita malemolência e alegria.

Tudo que inicia tem fim. Até a vida. E foi assim que num Gre-Nal decisivo, o casal terminou a relação. Não havia mais espaço para continuar. Nem vontade, nem mais nada. Tudo foi somente uma efervesvência. Como as ondas do mar em dias de ressaca. Desta vez, com a maré cheia, o “affair” foi desfeito para um horizonte longínquo. Separaram-se tal qual o  placar do jogo: zero a zero. Sem taças ou comemorações. Sem vencedores nem perdedores. Assim, naturalmente.

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