Até quando Lula vai permitir que Maduro manche sua biografia de democrata?

Não é um tema fácil de opinar, tantas as variáveis, os agentes internos e externos (do espaço até) operando sobre a miséria e o petróleo quase eterno. Mas associo-me ao artigo do jornalista Reinaldo Azevedo no entendimento de que se é preciso relativizar a democracia, democracia não há. Não pode uma democracia que valha para os meus amigos, outra para os inimigos.

Como o próprio Maduro descreve, a Venezuela vive um regime “cívico-militar-policial”. Algo como um sonho bolsonarista com sinal – bem pouco – invertido.

Não por ser atacado pelo “tronco” Milei, Maduro se torna uma boa pessoa.

Sigamos no texto.

Até quando Luiz Inácio Lula da Silva, o mais importante estadista com credenciais progressistas do mundo, verá a sua biografia ser espancada por Nicolás Maduro, que só não é um ditador de opereta, ainda que ridículo, porque está no poder há 11 anos, traz dezenas de mortes nas costas, lidera um regime que já dura 25 anos e, sob o pretexto de inaugurar um novo modelo econômico — ou que nome tenha a estrovenga chamada “Socialismo do Século 21” — jogou mais da metade da Venezuela na pobreza extrema?

Alguns indagarão: “Virou gerente da biografia de Lula?” Não. Mas é preciso que o presidente do Brasil se lembre de algumas lutas que se travaram por aqui em defesa da democracia. Elas marcam a sua história desde a década de 70. Na quadra que lhe é mais dolorosa, cujos rigores só ele conhece, passou 580 dias preso numa condenação sem provas, viu morrer familiares, mergulhou no abismo da dor e saiu íntegro para presidir o país. Mais: parte considerável dos brasileiros, com o chamamento às instituições, teve de se levantar contra o golpismo fascistoide.

O que isso tem a ver com as peripécias autoritárias de Maduro?

A ditadura não apresentou até agora as atas das urnas. Ainda que o faça, ninguém acredita, depois de tanta demora, que os dados sejam íntegros. Quem fez a melhor síntese do que se passou na Venezuela foi o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou — não porque é um liberal, mas porque é um democrata de um país que se acostumou à alternância de poder. Afirmou: “Não se pode reconhecer uma vitória se não se confia na forma e nos mecanismos utilizados para alcançá-la”. Na mosca! Escreveu ainda no X: “Era um segredo aberto. Eles iam ‘ganhar’ sem prejuízo dos resultados reais. O processo até ao dia da eleição e da contagem foi claramente falho.” Impecável. Ainda que houvesse respeito ao resultado — o real —, a eleição já não era democrática.

Onze países membros da OEA pediram uma reunião do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos para discutir a situação. Integram o grupo Estados Unidos, Canadá, Guatemala, e Paraguai. A esses se juntam outros sete, que tiveram seus respectivos corpos diplomáticos expulsos por ordem de Maduro: República Dominicana, Panamá, Peru, Argentina, Costa Rica, Uruguai e Chile, presidido pelo esquerdista Gabriel Boric. O Brasil, como se vê, não está no grupo. Não é bom sinal.

Então vamos ver:

1: não se apresentaram as atas;

2: houve uma apuração lentíssima dos votos e um anúncio fulminante do vitorioso, quando 80% dos votos já teriam sido apurados;

3: fez-se uma cerimônia-relâmpago de homologação da vitória; só não foi mais rápida porque o ditador falou por suas horas;

4: no discurso, Maduro disse que lutava não contra adversários, mas contra “demônias e demônios” e exaltou, mais de uma vez, seu regime “cívico-militar-policial”;

5: denunciou-se uma suposta tentativa de invasão do sistema por hackers que estariam na Macedônia do Norte;

6: o procurador-geral, Tarek Saab, um esbirro da ditadura, anunciou que vai processar Maria Corina Machado, a líder oposicionista, que já foi impedida de concorrer à eleição;

7: procedeu-se à expulsão dos embaixadores;

8: as ruas já foram tomadas por protestos, com a consequente repressão policial;

9: falava-se na noite desta segunda em duas pessoas mortas;

10: no discurso da “vitória”, de mais de duas horas, Maduro se colocou como um dos líderes mundiais da luta “contra o imperialismo”, que é seu modo de justificar a ditadura, a repressão e os quase 300 presos políticos que há no país.

Tudo, mas tudo mesmo, recende a sangue.

O líder brasileiro tem de decidir se a biografia de alguém que, até hoje, salvou milhões de vidas da fome e da miséria merece ser manchada pelo sangue derramado por um ditador ridículo e truculento.

Fizeram-se as eleições, e o isolamento da Venezuela aumentou. E não porque o país tenha muitos inimigos, mas porque o tirano é inimigo da democracia, dos direitos humanos e da legalidade — até a do seu próprio regime.

E aí vem o papo-furado, entre o chute e o conspiracionismo, segundo o qual Lula teria grandes planos para liderar sei lá o quê, e Maduro estaria atrapalhando… Nem sentido faz. O Brasil, por razões geopolíticas, é o líder da América Latina. É natural que seu presidente busque protagonismo — em vez de, como é mesmo?, se ajoelhar no altar de Donald Trump e se conformar em ser pária.

Essa liderança pede que busque sempre soluções negociadas, não o conflito. Mas é preciso saber o que é inegociável. Vai ser o quê?

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