A humanidade passa por uma de suas grandes provações em 2020. O Coronavírus e a pandemia estabelecem novos parâmetros para a convivência social. São quase 18 milhões de pessoas infectadas em todo mundo, 2,7 milhões só no Brasil, onde prefeitos e governadores alternam estratégias erráticas em relação à circulação de pessoas nas ruas. A alegação das autoridades no que diz respeito às restrições de funcionamento no comércio e onde podem ocorrer às tão temidas aglomerações se baseia sempre no conceito de “serviço essencial”.
Entretanto, diante de um governo ligado às igrejas evangélicas, determinar pelo funcionamento de templos (e igrejas) em época de pandemia parece sempre uma atitude de cunho político. A posição dos pregadores da palavra de Deus que garantem curas divinas sob suas mãos e a crença das pessoas nessas curas parecem indicar que o funcionamento desses estabelecimentos deveria ser considerado como “essencial”, já que estariam salvando vidas. Contudo o que ocorre não é o esperado e cada vez mais as pessoas morrem sem que o poder da cura pela fé se torne tangível.
Como deveríamos classificar então os garantidores do poder divino diante de sua evidente impossibilidade de gerar curas nessa pandemia? E como chamaríamos aqueles que acreditam nessas curas fáceis? Aqueles que diante da possibilidade tão esperada de encontro de uma vacina, depois de tantos estudos, exclamarão “graças a meu Deus!”. O certo é que não temos contribuições efetivas no campo da pesquisa científica na busca do antídoto por parte das instituições religiosas que faturam tanto por sua fé.
O fato de colocar a Bíblia e seu texto como escudo para proteger seus fiéis diante do vírus começa a incomodar setores da igreja católica que vê seus principais símbolos expostos com tanta facilidade. Atualmente a frase “Deus salva”, que voa dos palatos nos altares dos sermões, se contrapõe de forma muito clara ao mandamento bíblico que rege: “não usar o nome de Deus em vão”. E as consequências começam a aparecer no Brasil e no mundo.
Um grupo de 152 arcebispos e bispos da Igreja Católica preparam uma carta com duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro que encampou em campanha eleitoral o axioma “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Os religiosos criticam a omissão e a apatia demonstradas pelo presidente diante da pandemia. “Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua santa palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça”, diz o documento.
E já que o chefe do Executivo age tantas vezes como evangelizador, os bispos também não se intimidaram em realizar avaliações de cunho governamental. “Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo”.
O trecho mais importante no que diz respeito à religiosidade em tempos de pandemia deixa claro que a mistura entre fé e política é perigosa. “Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?”
O site UOL divulgou que, na Coreia do Sul, o líder da Igreja de Jesus, Lee Man-hee, acabou preso diante das acusações de ocultação sobre a contaminação de alguns membros. Ele também é acusado de realizar reuniões escondidas, provocando aglomerações diante da quarentena. Cerca de 5 mil casos registrados no país foram ligados à seita até agora.
Com certeza esse tipo de ação judicial seria duramente repreendida no Brasil tanto pelo governo quanto pela horda populacional que acredita tão convicta e cegamente em “falsos profetas”. Cabe aos fiéis separar o joio do trigo e aos pregadores deixar de utilizar a fé como moeda de troca no obscuro cenário político brasileiro e mundial nesse fatídico ano de 2020. Se não por respeito a Deus, ao menos por respeito aos milhões de mortos.