Já tive muitos professores em minha vida. Vários no até então chamado primeiro grau e depois outros do na época renomeado para ensino médio. Além destes, tive os extracurriculares de violão, natação, futebol, xadrez e judô. Foram tantos outros do ensino superior e mais alguns ainda da pós-graduação. Os últimos eu ainda intercalei com um de guitarra e depois de cavaquinho, depois uns para entender melhor a arte milenar do bonsai e mais alguns para melhorar minhas técnicas de escrita. E isso tudo sem contar os professores da vida como familiares, amigos, colegas, chefes, etc. Ou seja, tive vários professores. Ou seja, tive bons e maus professores.
Em certo ponto, me tornei também professor. Em alguns casos apenas ajudando alguém a desenvolver uma habilidade, como uma ex-namorada a tocar violão ou a uma grande amiga alguns golpes de judô. Também já ensinei várias crianças que participam de um projeto social em Viamão a andarem de skate e gostei tanto que hoje dou aulas particulares para quem quer aprender os primeiros passos no esporte. Para alguns conhecidos já dei aulas de cultivo de bonsai e uma vez dei uma aula sobre o controle de legalidade dos planos de recuperação judicial de empresas pelo administrador judicial nomeado pelo juiz. Ou seja, tive alguns alunos. Ou seja, tive bons e maus alunos.
Com toda a certeza também já fui considerado bom e mau mestre e aprendiz, mas não é sobre a minha competência – ou falta dela – que quero falar, e sim de como identifiquei na personalidade tanto de quem me ensinou, quanto de quem aprendeu comigo, características muito semelhantes. Alguns traços das personalidades de certas pessoas são muito fáceis de relacionar com atitudes de outras. Por exemplo, não exige muita capacidade de análise para perceber como um aluno dedicado e metódico e com compreensão de que as regras são guias para nos basearmos e não para seguirmos cegamente, se assemelha com aquele colega de trabalho supercapacitado, supereficiente e, não por acaso, favorito do chefe.
Também é impossível não perceber a semelhança entre o professor autointitulado disciplinador, sem paciência ou didática e que tem certeza de estar fazendo um favor ao dedicar seu precioso tempo àqueles que pouco valorizam seu conhecimento, e aquele autodenominado amigo que não tem nenhuma dúvida sobre a disponibilidade dos outros para ajudá-lo quando ele apenas não quer assumir uma responsabilidade ou só porque “não vai te custar nada”. Não sei se mais gente é assim como eu, mas gosto de identificar personalidades parecidas de pessoas diferentes, ainda mais se forem de gerações ou estiverem em momentos distintos de suas vidas.
Gosto disso porque quando forem me ensinar algo, ou eu para elas, vou conseguir filtrar as características negativas que costumam evitar a melhor forma de aprendizado ou de transmissão de conhecimento. Digo isso menos por causa dos alunos e mais pela existência de professores insuportáveis. Tive os meus. Tão insuportáveis que me fizeram não querer mais ser nem aluno nem professor de ninguém, por medo de achar que seria instruído por outro como eles, ou pior, que me tornaria um deles. Na verdade, eu não queria me colocar à prova e descobrir que falhei na busca de uma alternativa para aquele método de ensino e que caí na armadilha de considerar somente aquela fórmula autoritária capaz de gerar resultados.
Contudo, como o skatista que sou, sei que antes de aprendermos algo, vamos tentar e errar, e antes de conseguir, ainda vamos cair. E como bonsaísta, aprendi que para nos encantarmos com uma árvore pelo que ela é, bela, refinada e em um vaso proporcionalmente adequado, primeiro precisamos cuidar da sua saúde, deixá-la crescer e trabalhá-la por anos. É preciso estar diante de um trabalho cru, sem refinamento, e nos admirarmos não pelo que vemos, mas por suas possibilidades. Por isso, não desisti. Quando cruzo com algum aluno cujas características da personalidade me lembram os defeitos de algum professor, penso que ele está apenas seguindo o seu caminho, não sendo minha responsabilidade moldá-lo.
Há esta ideia entranhada em mim sobre aprender a ensinar ser uma das maiores formas de evolução da humanidade. O conhecimento sendo compartilhado, nunca preservado apenas com alguns. Muitas vezes aprendemos com nossas ações e o resultado delas, e também com as coisas que acontecem com a gente (isso forma o nosso caráter), mas é evidente que aprendemos muito com o que nos é ensinado. É a utilização do poder da ciência, da nossa capacidade de exploração e de contar estórias como formas de mudar o mundo. O mundo. Não personalidades. Precisamos aprender a ensinar, porque mesmo que cada pessoa seja diferente, todos nós, em algum momento, seremos professores.