Coluna do Gustavo | Carta para meus filhos #06

Hoje o assunto é delicado. Talvez o maior e mais incompreendido e delicado assunto que tratarei com vocês. Juro que em próximos textos tentarei deixar o clima mais leve, sempre é bom, mas desta vez não haverá leveza, pois o tema é pesado. Falarei sobre a maior regra de toda a vida, sua única certeza, da qual nem nada nem ninguém jamais escapará. Da morte. Do fim. Pois tudo acaba. Absolutamente tudo acaba.

E por isso mesmo vale a pena ter existido. É o fato de sabermos desta verdade, de que as coisas vão acabar, que nos ajuda a destinar atenção e interesse àquilo ou a alguém por nós valorizado e não a pessoas ou atividades capazes de despertar a sensação de perda de tempo. Porque apesar do tempo não ser algo material, do qual podemos deter a posse para perdê-la, desperdiçá-lo nos angustia de maneira muito facilmente compreendida por quem reconhece que ele, para nós, acaba.

A falta de experiência pode nos confundir a ponto de acreditamos na falsa ideia do nosso tempo ser vasto e praticamente ilimitado. Ele pode ser vasto e, para esta realidade, infinito, mas uma vida cabe dentro dele como um grão de areia no deserto e uma gota d’água no oceano. E nada do que fizermos, nenhuma grande conquista ou fracasso, independente do quanto possa ter influenciado aquela época ou até mesmo algumas futuras, será capaz de tornar algo eterno.

Este próprio texto, que para muitos é uma forma de se eternizar, não passa da mera tentativa de estender minha vida em alguns anos para passar essa mensagem para vocês caso eu não esteja mais aqui para transmiti-la pessoalmente, mas depois disso, se os seus filhos e netos não mais quiserem consumir estas palavras que só eu mesmo avalizo como conhecimento, serei esquecido. E não importa o avanço das tecnologias nas formas de preservar informação, mesmo se atingirem patamares nunca antes sonhados, nada, nenhum conteúdo, nenhum discurso inspirador, nenhuma obra de arte, nenhuma imagem valendo mais que mil palavras, será eterna.

Porque por mais vitoriosos que sejamos na vida, para o tempo a gente perde, e essa derrota nos dá sentido em viver. Esta grande derrota ao final da nossa trajetória coloca toda nossa jornada em perspectiva e nos permite perceber como as outras são pequenas. Todas as almas vivas deste mundo vivenciaram pequenas vitórias e derrotas, mas grande parte as vezes esquece que as segundas são responsáveis pelas primeiras acontecerem. Quando não temos estas perdas, podemos ter as coisas, ou pior, as pessoas, como garantidas, e então vamos as perdendo pouco a pouco, sem perceber, até perdermos tudo e todos.

E pior que isso, muito antes de qualquer pessoa ser esquecida, mesmo que demore centenas ou milhares de anos para isso acontecer, uma mísera fração de segundo após sua morte é o suficiente para que nada nem ninguém, nenhuma instituição ou entidade, possa fazer qualquer coisa por ela. E quando nós não podemos mais fazer nada por quem se vai, completando a obviedade que é estar vivo, religião, estudo, ou maturidade alguma será capaz de deixar aquele momento confortável. Quando a vida de alguém acaba, quando ela deixa de existir, sua finitude, apesar da contradição, se torna real.

Com a materialização do término, é comum vermos pessoas arrependidas pedindo desculpas para quem se foi, e isso ocorre pelas nossas atitudes em vida, pelas oportunidades perdidas de conciliar, conversar e entender. É a própria finitude que nos torna especiais, e como todos estamos sujeitos a ela, todos somos, só depende de, no tempo em que estamos aqui, percebermos isso sem deixar esta chance passar, porque nunca mais voltará a existir. Por isso, o ideal é agirmos com aqueles que quando se forem vão nos deixar saudades imensuráveis, de forma a buscarmos uma gratidão pela passagem deles neste plano. Somente assim, quando a morte vier, e ela virá, ao invés de nos desculparmos, poderemos dizer obrigado.

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