Já falei que um amigo meu vai escrever o manual do bem viver. Um dos tomos será sobre a elegância. Segundo ele, não há limite para a elegância. Ninguém pode ser elegante demais. Primeiro pensei que se referia à vestimenta, homens e mulheres usando cartolas e chapéus garbosos enquanto tomam chá com o dedo mindinho esticado. Eu não poderia estar mais enganado. Na verdade, ele se referia ao comportamento.
Começou explicando que uma pessoa elegante nunca levantaria o tom de voz. Por entender a inutilidade de querer ganhar discussões, jamais se colocaria em alguma situação onde falar alto seja necessário. Ao tomar ciência do quão deselegante é discutir, apesar de eventualmente ter vontade de proferir uns cala a boca, apenas diria: não.
– Uma discussão é uma competição por nada. Elegância é saber que discutir é burrice, porque duas pessoas discutindo nunca vão concordar. Vai acabar uma querendo mandar a outra longe – diz ele.
Seguiu defendendo que uma pessoa com classe jamais xingaria outra, independente de ter motivo ou não (e independente da outra ter classe ou não). Ao receber uma ofensa, e mesmo com a clara oportunidade de resposta capaz de destruir qualquer argumento do agressor, apenas faria silêncio. Sem nunca dizer um palavrão, diria no máximo “tá bom”. Perguntei se isso seria para irritar o deselegante e fui esclarecido que tanto uma resposta evasiva quanto não falar nada podem provocar ira, mas não é esse o objetivo. Neste momento ele colocou a mão no queixo e disse que elegante mesmo seria apaziguar os ânimos, não permitindo que a discussão prosseguisse.
Percebi que apesar de faltarem ainda alguns elementos para conclusão deste capítulo do manual, sobram convicção e motivação. Inclusive, sobra também criatividade na elaboração de analogias para explicar como a elegância seria hereditária, como poderia ser comparada a uma religião e como se trataria da única beleza que nunca desvanece. Pedi para me explicar melhor a parte da herança e da religião, mas primeiro ele quis saber se eu havia gostado da frase que alegava ser de sua autoria sentenciando que o elegante é o belo que, ao contrário da juventude e da saúde, jamais se esvai.
Adorei ver seu esforço para manter a classe quando, após uma consulta na internet, precisou admitir ter sido traído pela memória e concordou com minha correção sobre a frase ser de Audrey Hepburn. Respondendo como a elegância seria hereditária, desenvolveu a ideia do quanto uma criança educada e instruída por familiares que prezam pelo comportamento adequado absorverá o exemplo e será muito privilegiada ao perceber o quão benéfico é ser elegante. Segundo ele, se pais e mães forem bons o bastante neste ponto na criação dos filhos, permitirão a chance de outros possíveis mentores se interessarem por eles e os tratarem e orientarem como se seus filhos fossem.
Perguntei por fim como ele relacionava tudo isso com religião e aí ele me impressionou. Pediu para eu imaginar um cenário onde ser elegante seria o mesmo que não negociar com o diabo. Meu olhar desconfiado não foi suficiente para tirar sua empolgação ao explicar que deixar a elegância de lado apenas por um minuto, sem causar muito prejuízo aos outros e alcançar um prazer imediato, seria comparável a aceitar fazer uma leve maldade em troca de um ganho. Para me convencer, perguntou se eu aceitaria deixar de agir corretamente apenas um pouquinho para receber um milhão de reais. Sem me dar tempo para resposta, disse:
– Pronto. Fez um pacto e vendeu tua alma. O diabo não negocia, só compra almas – concluiu.
Deixando o drama, o fanatismo e o exagero de lado, acho que na verdade ele mistura elegância com respeito. Porque elegante é respeitar os outros. É preferir ser respeitado a ser temido, sabendo que não adianta exigi-lo, porque respeito se conquista agindo de forma adequada. Elegância é distinguir e classificar quem falta com respeito como não merecedor de atenção. Não é sinônimo de combinar o sapato com o cinto. É aceitar que não importa o quão visionários ou ambiciosos sejamos, estamos presos em corpos frágeis sujeitos à tentações, as quais só podem ser vencidas se soubermos que ninguém nunca se arrependeu por agir corretamente.