Quando recebi a confirmação sobre ter uma chance de ocupar o nobre espaço desta coluna, me senti um enorme privilegiado. Desde o início sabia que um tema comumente abordado seria o skate, eis que esta oportunidade surgiu por intermédio de amizades existentes em torno do interesse em comum no esporte, bem como pelo fato da prática estar muito presente em minha realidade. Em alguns textos, descrevi episódios vividos no projeto social Skate na Comunidade, em outros, destaquei algumas lições que podem ser aprendidas com este brinquedo capaz de transformar vidas.
Mas como muitas coisas nestes tempos pandêmicos tem mudado, inclusive o nome do projeto mudou para Associação de Skate São Tomé, acabei também mudando os assuntos aqui abordados. Contudo, agora é hora de voltar. Voltar a falar de skate, não voltar com o projeto, parado por causa desse vírus que parou o mundo. Parou até as olimpíadas. Olimpíadas nas quais ocorrerá a estreia do skate como modalidade. Olimpíadas que ocorrerão no próximo mês. O quão positivo penso disso tudo está no texto Skate: Esporte Olímpico.
O mundo parou, mas está voltando. Nós ainda não, mas em breve poderemos nos reunir de novo com crianças e adultos mutuamente compartilhando os ensinamentos do skate. Ensinamentos sobre os quais falo agora. Porque precisamos falar sobre skate. Falar do crescimento, popularidade e de como se distingue das demais atividades esportivas. Na verdade pertence a uma categoria muito específica. Para explicar melhor preciso antes esclarecer sobre uma teoria minha onde vinculo a mentalidade de esportistas com uma certa agressividade.
Em diversas áreas, pessoas alcançam destaque no seu meio canalizando uma certa raiva oriunda da frustração com resultados negativos, esta inconformidade se transforma em ferramenta para moldar os escolhidos em testadores de limites. Na maioria das modalidades, estes limites são impostos por regras. Nestes casos, a agressividade deve ser descontada o mais dentro das regras possível. Mas regras não são o suficiente para conter o skatista. Uma regra jamais será capaz de submeter sua agressividade natural ao que pode ou não pode fazer. No skate não gostamos de regras e só obedecemos uma. Na verdade uma lei. A lei da gravidade.
É tão normal desafiar esta imposição física, como se fizesse sentido deixarmos um pouco de tentar tornar a vida mais fácil, para em compensação a tornarmos mais interessante, que andar de skate se tornou entender nosso ambiente, entender que não podemos dar o passo maior que nossa perna, mas também é descobrir que nossa perna pode ser maior do que imaginávamos. Por falar nisso, por melhor que seja andar junto com os amigos e toda a cultura positiva em torno da coletividade, a prática é individual.
Além disso, não há um adversário direto. A disputa é consigo próprio. Essa é uma das principais características. Dessa forma, não há vitória ou derrota refletida. É impossível alguém ser bom ou ruim por intermédio dos pés dos outros. E este ponto prejudicou muito sua popularização por anos. Não interessava muito aos praticantes atingir o público fora da bolha, não havia neles uma necessidade de ver o skate crescer e alcançar níveis de audiência próximos de esportes de maior expressão. Diferente dos demais, este cria a sua própria cena e isso expulsou leigos possíveis simpatizantes de consumi-lo como entretenimento ou identificação.
Isso vem mudando. Essa filosofia, essa cultura, essa prática que não precisa sequer de lugar para acontecer por ser uma força inspiradora, capaz de incentivar atletas a se desafiarem constantemente mesmo que seja em busca apenas de uma chance certa, onde nada é obrigação e tudo é vontade, está atingindo pessoas que não andam de skate. Ou simplesmente andam na sua intensidade, se pouco ou muito não interessa, mas que acompanham o suficiente para saber quem é bom e quem é muito bom e quem é excepcional.
Este fenômeno vem acontecendo no mundo todo e mais próximo da gente seu reflexo pode ser constatado quando o Brasil, o Rio Grande do Sul, a cidade de Porto Alegre ganham de presente a maior pista de skate da America Latina. No cartão postal do pôr do sol no Guaíba. Muito obrigado a todos os envolvidos. Orbitando o mundo do skate existem empresários, lojistas, professores, atletas, confederações, comitês, e o mais importante, pessoas que praticam ou simpatizam com esta ideia. Chega a ser incrível perceber como hoje em dia cada vez mais vidas são influenciadas, transformadas e até dependem deste objeto inanimado. E é por isso que precisamos falar sobre skate.