Coluna do Gustavo: Um fracassado

Tenho um conhecido que gosta de ressaltar como ele é um fracassado. Quando alguém busca se aconselhar com ele, a primeira coisa que ouve é um relato de suas falhas. Na verdade, ele é muito bem-sucedido, tanto profissional, atuando como advogado em seu próprio escritório, quanto pessoalmente, desfrutando de um casamento feliz e da saúde dos seus filhos gêmeos recém-nascidos. Em seus conselhos, as experiências malsucedidas são encaradas como etapas para alcançar um objetivo. Por exemplo, esses dias, o questionei como mantém a motivação em tempos difíceis. Ele perguntou se eu queria a resposta curta ou a resposta longa.

— A longa — respondi.

Ele voltou no tempo e narrou seu último semestre da faculdade de Direito, quando precisava apresentar seu trabalho de conclusão de curso, passar em todas as cadeiras, entregar um bom desempenho no escritório onde estagiava (para ser efetivado) e estudar para a prova da OAB. Percebendo o quanto seria difícil se dedicar a tudo isso, priorizou se formar, sabendo que de nada adiantaria agradar o chefe e não a banca de avaliação, bem como que de nada adiantaria ter a carteira da Ordem e não um diploma.

O plano estava traçado, mas, para agravar a situação, um imprevisto positivo ocorrera. Com a atenção voltada ao trabalho de conclusão e às disciplinas da faculdade, não estudou nada para a primeira fase da prova da Ordem, tendo a feito apenas para ver como se sairia. Para sua surpresa, passou. A vida mudara seus planos. Como não queria desperdiçar a oportunidade, se dedicou muito para a segunda fase, achando que conseguiria, em apenas um semestre, apresentar o TCC, se formar, pegar sua carteira de advogado e ser efetivado. Não preciso dizer que, durante aquele período, não teve muito tempo livre. Seu longo relacionamento com a namorada foi o mais comprometido.

Ao final do ano, seu trabalho de conclusão foi aprovado e ele se formou, mas não passou na segunda fase da OAB e não pôde ser contratado como advogado. Um fracasso. Nas duas próximas edições da prova, houve recordes de reprovação, estando ele na lista dos reprovados. Mais dois fracassos. Somente um ano depois, na quarta tentativa, quando sua vida estava resumida a estudar, estudar e estudar, passou. Mas, para isso, negligenciou a companheira e o trabalho. Ao receber a carteira de advogado, não tinha mais uma namorada nem a vaga no antigo escritório.

Ele deixara de ser um universitário, com estágio e em um relacionamento sério, para se tornar um formado, desempregado e sem ninguém. Um completo fracassado, dizia. Contudo, ele também disse que de nada adiantaria ficar desmotivado naquela situação e que, hoje, ele sabe que só teve coragem de abrir seu escritório porque foi despedido daquele, e que só conheceu sua esposa e teve os amados filhos porque o antigo relacionamento acabou. Depois desta longa narrativa, perguntei qual seria a resposta curta para se manter motivado em momentos difíceis, ao que ele respondeu:

— Não existe “não deu certo”. Só existe “não deu certo ainda”.

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