Erika Goelzer: O ser humano é um ser de histórias e palavras

Erika é psicóloga/psicanalista, mestre em Psicologia Clínica Psicanalítica e professora universitária

A partir desta semana, o Dário de Viamão traz a colaboração da Erika Juchem Goelzer, mestre em Psicologia Clínica Psicanalítica e professora universitária.

Natural de Viamão, Erika cresceu e sempre morou na cidade. Psicóloga e Psicanalista por formação, utiliza a arte como um caminho para algo que nunca soube nomear: paz, tranquilidade, mas por vezes inquietude e reverberação.

Para especialista, a psicanálise está na contramão do mundo moderno, o que de forma alguma diminui o seu valor. Em um contexto que prima pelo imediatismo, a psicanálise convida o sujeito a parar. Parar para ver. Parar para ver-se. Parar para ouvir. Parar para produzir. Parar para produzir-se… Enfim… A psicanálise, assim como a arte, segundo Erika, nos convida a olhar (se). E nesse olhar situa sujeito e objeto, pintor e observador, não necessariamente nessa ordem.

Apreciem!

 

O ser humano é um ser de histórias e palavas

 

“Somos as palavras que trocamos.”

(S. Freud)

“A angústia surge do momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo em que ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar”

(J. Lacan)

 

Certa vez li em algum lugar que o ser humano é um ser de histórias. Concordo. Enquanto psicanalista entendo que somos feitos de histórias, de palavras… Enunciadas ou recebidas as palavras marcam nosso mundo e nosso corpo. Mas afinal o que é a palavra? 

Sabemos que nem sempre a palavra e o sentimento andam na mesma direção. O que é dito nem sempre é escutado. Há uma lacuna entre quem fala e quem escuta. Normalmente resolvemos esse impasse com o corpo, com o olhar, com o movimento, com o tom de voz e tudo aquilo que vem somado a palavra. A palavra para o ser humano não é só uma palavra, é um estatuto, é o nosso pilar de humanidade.

Este tempo que vivemos tão adverso, tão diferente, está transformando nosso mundo, nossa vida, nossa rotina e nossas palavras. O ser humano, desde o nascimento, precisa de rotinas consistentes para construir sua confiança básica no mundo externo. A previsibilidade é um organizador psíquico. A palavra nos conforta porque traz consigo essa previsibilidade e, até então, dava conta dos imprevistos. As palavras já não descrevem o que vivemos. E nossa forma de se relacionar com o outro precisou ser reconstruída. 

A máscara obrigatória é a metáfora perfeita para nossa impossibilidade de expressar as palavras fundamentais. Falamos por detrás da máscara e somos compreendidos. Entretanto algo fica sufocado, se perde e não chega ao outro. Algo que nos habita, mas já não consegue ser expressado pela falta de palavras que a imprevisibilidade nos trouxe. Vivemos tempos únicos e de exceção. O mundo já não funciona da forma que conhecíamos e nossas ferramentas de enfrentamento já não são suficientes.

Por outro lado, somos inundados diariamente por discursos. Através das redes sociais, jornais, televisão, a inconsistência mundial adentra nossas casas e nossa vida. São mais de dez mil mortes diz o âncora do jornal da noite e logo depois a tão aclamada "novela das oito", virou um "vale a pena ver de novo". Parece que o tempo parou para esperar o novo coronavírus passar. O amanhã virou um grande ponto de interrogação. O ainda não vivido nos recepciona a cada segundo impondo e sobrepondo demandas. O discurso que invade nos força a responder o que vale mais: o emprego ou a vida? Como se houvesse uma resposta possível. Como se pudéssemos salvar um ou outro. 

A pandemia nos trouxe não apenas o distanciamento social, mas também a impossibilidade de ritualizar as despedidas. Não há velórios. Não há nomes. Aqueles que se vão, viram números em uma estatística que não oferece palavras. Precisamos lembrar, o tempo todo, que esses números são pais, mães, filhos, avós, amigos… Para cada despedida, incontáveis palavras seriam necessárias. 

Em uma entrevista, o psicanalista Edson de Sousa falou sobre a necessidade de buscar palavras que tragam um pouco de ar para tantos espaços fechados de vida que se impõem. Palavras e ar. É o que a pandemia consome daqueles que adoecem ou não. 

Precisamos que a máscara não nos cale ou sufoque. Precisamos que a máscara seja o instrumento de vida e, justamente, demonstre nossa rebelião frente a este vírus: "aqui tu não entras!". Precisamos que a tecnologia nos aproxime daqueles que o abraço é impossível momentaneamente e nos preencha de palavras e discursos de enfrentamento. Precisamos falar sobre o que estamos vivendo porque o que não pode ser dito é potencialmente traumático.

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