Erika Goelzer |  Precisamos cuidar das crianças!

Quando falamos de crianças há uma certeza: Uma criança não é igual a outra. Porém todas nascem de alguma forma. Ao nascer o bebê sai de um espaço completamente controlado no ventre da mãe, onde não sente frio ou fome, e é “jogado” em um mundo novo cheio de sensações. Deve ser assustador sentir cólica pela primeira vez. Imagine que você nem sabe ainda que tem um corpo e de repente uma sensação de dor lhe retorce por dentro levando desconforto a cada cantinho do seu eu. Nascer e crescer não é nada fácil.

A maioria dos adultos olham para a infância com um ar saudosista, como se a infância fosse só ver desenhos e estudar. Não é. A infância é o momento em que estamos nos moldando para o futuro e as ferramentas psíquicas que conquistarmos (ou não) serão decisivas na nossa circulação pela vida adulta.

Nossos pequenos deveriam ser protegidos exatamente da forma que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Toda a criança deveria receber amor, alimentação, segurança, educação, suporte. São os desamparos (por ausência ou exagero) que determinam nossa reatividade e reciprocidade na vida.
Tenho uma filha de 5 anos e tenho pensado muito nas crianças nesta época de distanciamento social. Minha pequena sabe o que é o Coronavírus. Ele passou a ser o vilão nas brincadeiras e nos pesadelos. Ela fala do vírus que a tirou da escola e sente saudades dos amigos. Mesmo com uma vida privilegiada por morarmos em um espaço amplo e cheio de natureza, minha filha sente os respingos que a pandemia tem ocasionado. 

Mas e as outras crianças? E aquelas que moram em apartamentos fechados? E as que estão passando por um processo ambivalente de presença/ausência dos pais, já que eles estão em casa, mas estão trabalhando e não podem dar atenção? E aquelas em que os pais já não estão mais trabalhando e já falta o mínimo necessário para subsistência? 

Vi uma reportagem sobre o adolescente do nordeste que ficava três horas, diariamente, sentado na praça, usando a internet wi-fi de um açougue. Estudava assim, na praça em um celular comprado com o dinheiro juntado da venda de latinhas. Mas e os meninos e meninas que não uma praça perto, que não tem um comerciante que ceda gentilmente a senha de internet? A pandemia está escancarando o abismo social que existe no Brasil. Já não podemos mais negar o quanto sobra para alguns e o quanto falta para outros. 

Sou sim a favor de um distanciamento controlado. Distanciamento, não isolamento. Nossas crianças precisam voltar para a escola. O prejuízo deste afastamento está sendo tão intenso quanto o do adoecimento. Há um adoecimento psíquico, para além do adoecimento pelo covid-19, que precisa ser avaliado também. 

Não se engane, não estou defendo uma liberação “a la louca”. Não penso que devemos reabrir de repente as escolas e mandar todos para lá. Mas penso que precisamos problematizar esta questão. Cobrar um planejamento. 

O aprendizado possibilita o processo de sublimação, indispensável a vida coletiva. Para nos curarmos das feridas do crescimento toda nossa energia psíquica se direciona para produções intelectuais. A criança no auge do sofrimento edípico, quando descobre que não existe apenas um objeto de amor e que sempre seremos habitados por uma falta estrutural, sublima, investe sua energia justamente ao aprender. 

Sei que as escolas particulares ou públicas estão fazendo o que podem para dar conta da situação, cada uma dentro da sua própria realidade. Mas o convívio diário, o sair de casa para um compromisso próprio, o brincar, o conversar exercem um papel tão importante quanto os conteúdos em nossa socialização. A escola é muito mais que um local para “engolir” teorias. A escola é um local de acolhimento, de trocas de experiências e afetos.

Espero que logos nossos pequenos e os nem tão pequenos possam estar de novo convivendo e crescendo juntos. Somos seres afetivos, nos construímos a partir do outro. 

Os relacionamentos virtuais estão sendo extremamente importantes. Os celulares, antes vilões dos relacionamentos, estão agora sendo o link de conexão com a vida que nos foi tirada. Eu poderia escrever novamente sobre o processo de luto que a Covid-19 está nos impondo. Não são tempos fáceis esses, mas precisamos focar que as crianças e adolescentes tenham o mínimo de prejuízo para garantir um futuro de adultos saudáveis psiquicamente.

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