Esvaziando nossa bagagem

Eu estava indo para o centro da cidade de ônibus, quando tive a grata surpresa de ver em uma parada mais adiante, um menino que foi coleguinha de minha filha. Fiquei muito feliz porque ele está, além de crescido, independente. Pegou o ônibus sozinho. E olha que a escola é bem longe. É lógico que tem a supervisão do motorista, que com certeza foi mais um que ele conquistou com seu jeito conversador de ser.

Este menino que vou chamar de João, tem uma síndrome, que lhe afeta o cognitivo, deixando-o com um atraso intelectual e ele adquire peso muito facilmente. É lógico que com opassar do tempo, as crianças que possuem deficiência, assim como as outras, vão tendo consciência de suas limitações e procuram formas de driblar as dificuldades.

Quando João chegou à escola, ele era completamente dependente, inclusive para caminhar. O caminhar era feito com apoio, pois ele estava sempre caindo. Brincar com as outras crianças, apenas sentado. Correr e ir à pracinha nem pensar. Os pais o superprotegiam e não estavam errados, não é mesmo? A gente sempre cuida muito e quer o melhor para os nossos filhos, principalmente se eles apresentam limitações.

Com o passar do tempo, João foi experimentando fazer coisas novas e por incrível que pareça, ele estava conseguindo. É claro que ele não tem toda a desenvoltura de uma criança da sua idade, mas consegue fazer de tudo, inclusive pegar o ônibus e ir para a escola como tantas outras crianças.

Voltando ao ônibus: ele entrou cumprimentou todos os que conhecia e ficou a conversar com o motorista. Logo adiante entraram duas mulheres, uma mais nova e outra com mais idade. A mais nova sentou atrás de mim e a mais velha mais ou menos ao meu lado. Reparei que a mais velha falou algo para a outra que deu de ombros. Esta senhora levantou e perguntou para João: Tu é doente? Pobre João, sem jeito balançou a cabeça afirmando.

E agora eu pergunto: Precisava isto? Ele foi instruído a dizer aos outros que ele é doente ou foi induzido por não saber o que responder? Ter alguma deficiência o faz doente?

Recolhi a minha ignorância e fiquei quieta, mas com aquele nó na garganta, louca para sair em defesa dele. Até agora me arrependo de não ter feito nada, mas não sei o que lhe instruíram para fazer em uma situação como essa. Não quis ser invasiva.

João é apenas uma criança que tem o direito de ter diferenças e ser feliz como qualquer outra. Se fosse doente, estaria em uma cama, não é mesmo?

Porque que as pessoas são tão cruéis com que é diferente? Sei que trazemos bagagens de nossos antecessores, mas será que não podemos esvaziá-las de vez em quando, deixando nelas somente o que é bom e faz bem?

 Pense bem quando encontrar um João no seu caminho e, antes de se dirigir a ele, pare e reveja como está a sua bagagem de valores.

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