Naquela terça-feira de primavera, o ar da praia estava nebuloso. No céu, um cinza apocalíptico. Na areia, uma ventania ensurdecedora. E no conjunto da paisagem, nenhum turista ou nativo do local. Sentei-me por uns breves instantes no banco lateral do calçadão. Arriscando-me também, a ficar com os olhos e o corpo impregnado de areia. Fiquei observando.
Neste momento, caminhando vagarosamente, surge uma família. Penso: que destemor é este! Será que estarão indo para o mar? Será que se aventurarão a entrar na água gelada? O casal é jovem. A mulher leva consigo uma cadeirinha de sol. O homem uma prancha pequena de boarding board. As crianças, baldezinhos e pazinhas para mexer na areia.
O tempo está estupidamente impróprio para uma prazerosa tarde na praia. Mas como num filme de Almódovar, tudo é possível em se tratando de ser humano. E a família lentamente caminha em direção ao mar. Atravessa as dunas, o calçadão, a extensão da areia e finalmente chega bem perto da primeira onda. Contrastando o vento frio, o homem prova seu destemor. Tira a camiseta. A areia bate em suas costas, como agulhas. Ele resiste. Como se estivesse num clima de verão.
A mulher monta a cadeira. Senta. As crianças acocorocam-se e começam a juntar areia molhada e colocar no balde. Enquanto o homem levanta a prancha de surfe. Mas a ventania era tão forte, que a certa altura, a prancha ameaça voar. A impressão de longe, era de que aquele homem, estava empinando uma pandorga. O vento fazia a prancha, que é de material leve, literalmente balançar em suas mãos. Quase subindo pelos ares. Num bailado solitário.
As crianças gritam. Não consigo ouvir o que falam. Talvez peçam aos pais para voltar prá casa. Pois o mar, com certeza hoje, não está para peixe. Nem para surfar, nem pegar sol ou confeccionar castelos de areia. O vento fica cada vez mais forte. Uiva, como lobo. Não sei o que aconteceu depois. Desisti de observar. Só sei que foi a família mais corajosa que já avistei na praia. Vivendo uma experiência quase sobrenatural .De audácia e, muita bravura. (Ana D´Avila)