Os bancos da Praça Júlio de Castilhos já não estão cheios. O ritmo nas calçadas da Avenida Coronel Marcos de Andrade é visivelmente diferente. A manhã da quarta-feira (18) indica que Viamão começa sentir mais forte os efeitos da pandemia, seja pelo receio do covid-19, ou pelo “contágio” que inevitavelmente sofrerá a economia local.
As poucas pessoas nas paradas de ônibus tentam manter distância umas das outras – algumas já usando máscaras. Nos semáforos, carros com vidros fechados dão a dimensão do isolamento adotado pela parte da população que tem consciência do impacto que o vírus causa – e ainda causará. Com o silêncio atípico, dá até para ouvir a conversa de quem passa, e a palavra presente em muitos diálogos é “corona”.
– A gente se preocupa sim, porque não sabe até onde isso tudo pode ir – diz a bancária Ângela Prado Bielluti, 36 anos, que comentava com a colega de trabalho, Andréia Oliveira Almada, 32, sobre os novos casos confirmados em Porto Alegre nas últimas 24 horas.
– Dá medo porque tá aumentando rápido. A partir de agora vou evitar sair de casa – afirma Andréia.
Mas há quem ainda não tenha adotado o isolamento social recomendado por autoridades de saúde. O aposentado José Gomes Damásio, 72, saiu de casa para “tomar ar fresco” na praça.
– Eu to aqui, sozinho. Se chegar alguém, peço pra ficar longe – garante.
Deixar velhos hábitos em tempos de epidemia é um desafio. O motorista de aplicativo Elivelton Macedo, 28 anos, conta que, além de carregar o álcool em gel, está mudando o jeito de cumprimentar os clientes.
– As pessoas chegam e logo estendem a mão, não adianta. É difícil não ter o reflexo de levar a mão até o outro, mas tenho tentado evitar – resume o condutor, que faz higienizações nas maçanetas e cintos de segurança do veículo após as viagens.
Praça Júlio de Castilhos – Foto: Cristiano Abreu
Missas na Matriz suspensas
Acompanhando o avanço do vírus no Estado, a Paróquia Nossa Senhora da Conceição – a Igreja Matriz – suspendeu de forma preventiva a realização de missas até o dia 3 de abril. A medida foi anunciada através de comunicado emitido na terça-feira (17).
Comércio sente
O comércio de rua segue aberto sem restrições, mas o movimento se concentra em supermercados, farmácias e postos de combustíveis. Prova são as disputadíssimas vagas da área azul, que agora sobram no Centro.
– Duas clientes entraram na loja hoje (manhã) – afirma Alessandra Nunes, proprietária de uma loja de roupas.
A precaução que tira vendas da Alessandra leva o povo às farmácias. A unidade de uma grande rede localizada quase ao lado do gabinete do prefeito recebeu 200 frascos de álcool gel na tarde de terça-feira (17). Nesta manhã, não restava nenhum. Máscaras já faltam há uma semana.
– Eram todas garrafas de 500ml. E não sabemos quando o fornecedor nos trará mais – explica um funcionário que não quis ter o nome divulgado.
Questionando sobre o preço, ele respondeu que o produto estava sendo comercializado a R$ 29.
– Não subimos o preço. O Procon esteve fiscalizando e nós mostramos que o fornecedor é quem está nos vendendo mais caro – justifica.
Quando o assunto é o mercado, no entanto, a prudência parece ser esquecida do lado de fora. Pessoas se aglomeram e ignoram a orientação de que não é necessário estocar alimentos.
– Fazer o que se a gente tem que comer? – pergunta a aposentada Maria José Aparecido, 63 anos. No carrinho de compras, além de itens de limpeza, havia um quilo de arroz, um de feijão e seis fardos de papel higiênico.
Também no Centro, comerciantes de uma movimentada galeria cogitam fechar as portas nos próximos dias. Se o que é, por enquanto, especulação se confirmar, só restará administrar as perdas.
– Se fecharmos, tenho como seguir vendendo via internet, isso se os Correios trabalharem normal, mas quem depende da loja aberta vai sentir – avalia a proprietária de um antiquário que prefere não ter o nome divulgado.
A Câmara dos Dirigentes Lojistas de Viamão (CDL) avalia que o impacto do covid-19 será catastrófico para a economia local, caso a propagação do vírus leve ao fechamento completo do comércio.
– Estamos acompanhando a situação em Porto Alegre, e, na medida que Viamão não tem casos, nossa avaliação é de que o fechamento das lojas seria catastrófico. A gordura obtida no Natal seria queimada, comércio local não tem reservas para arcar com despesas sem vendas – pontua o presidente Milton Pires.
O presidente da entidade defende que outras ações devem ser tomadas antes das restrições serem direcionadas ao comércio.
– Entendo o esvaziamento do transporte coletivo como mais eficaz – aponta.
Impactos na indústria
A Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Viamão (ACIVI) acompanha as determinações dos órgãos públicos para evitar a propagação da doença, porém, pede cautela. O foco, segundo o presidente da entidade, Luiz Pereira, é reduzir o impacto na atividade econômica local.
– Acreditamos que há necessidade de precauções. Medidas já são tomadas no Comércio e na Indústria para a reduzir a propagação da doença. Porém, no momento, não somos favoráveis a um fechamento total do comércio – declara.
Pereira entende que neste primeiro momento, com mais pessoas em casa, é natural a elevação do consumo de itens essenciais e de alimentação, reflexo da baixa do movimento em bares e restaurantes, por exemplo.
– Quem comia fora, passa a se alimentar em casa, por isso o movimento no mercado aumenta, mas não há risco de desabastecimento, pois o comércio tem estoque para se manter.
Contudo, o dirigente da ACIVI diz que a longo prazo, caso a crise do corona se estenda, ocorrerá redução de produção industrial, em função da queda no consumo.
– Num cenário onde a doença avance, micro e pequenas empresas, independente do setor, seriam as mais atingidas. Mas reforçamos que não há casos em Viamão que justifiquem esse tipo de preocupação por enquanto – finaliza Pereira.
Encontro
ACIVI, CDL Viamão, Ministério Público, agentes de Saúde e Segurança têm reunião com o prefeito Russinho nesta quinta-feira (19), a partir das 16h. Na pauta, o pedido de cautela das entidades, o apelo por urgência dos que trabalham na saúde para que sejam resolvidas as dificuldades envolvendo a higienização das Unidades Básicas.
Não existem, até a tarde desta sexta-feira (18), nenhum caso de corona em investigação no município, porém a incerteza – e as máscaras – já percorrem as ruas da cidade. Os próximos dias serão decisivos para a contenção do covid-19 – e para a saúde da economia local.
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