Viamão não é para os fracos. Definitivamente. É um jogo de interesses que exige estômago e atenção constante. E a cartada é alta. Bem alta.
Por aqui, o desejo pessoal encontra o ambiente perfeito para prosperar. Talvez os detentores do poder apostem no desinteresse do povo na vida política local, se sintam protegidos pelos cargos que ocupam, confiem na impunidade, ou simplesmente são equivocados, na essência do termo, por não compreenderem as consequências jurídicas dos próprios atos.
Há um vácuo de moralidade constante, por isso o Poder Judiciário tem que agir com frequência em Viamão. Bem mais que em outras cidades. E tanto melhor que temos órgãos legais fiscalizando as ações do Legislativo e do Executivo.
A polêmica liberação da venda de chocolates ilustra bem o que digo. Se não fosse o Ministério Público, todos os comerciantes já estariam normalmente abertos. Nesta guerra entre lucro e vidas, as promotoras de Justiça do município têm tido trabalho. Examinam decretos, apontam irregularidades e recomendam a adoção de normas de preservação do interesse coletivo, que é a saúde da população.
Gisele Moretto e Karina Bussmann acompanham de perto a novela dos decretos de Russinho. Cada publicação do Executivo é um misto de falta de clareza jurídica e tentativa de atender os pedidos de entidades e lojistas – sem despertar a atenção da Promotoria. Só depois vem o povo.
Desde o início, quando Viamão declarou calamidade, nada se fez no gabinete do Russinho por iniciativa própria. Tudo aconteceu ao reboque do que fizeram os prefeitos da Capital e entorno. E quando a legislação levou em conta a realidade local, foi sempre para afrouxar as regras de distanciamento social. Vamos à lista:
O transporte público ficou ao gosto da empresa Viamão. Nenhuma norma além do uso do álcool para a limpeza dos coletivos foi adotada até o MP mandar. E mesmo com a lei adaptada, não há fiscalização. Ônibus cheios e horários de domingo predominam.
Depois foram as reuniões com empresários, que ocupam a antessala do prefeito interino diariamente para pressionar. O caminho estava aberto para o “libera geral” após o jantar de Russinho com o organizador da carreata. Aí, após o Diário de Viamão revelar a intenção, o MP se pôs a trabalhar mais uma vez.
Ontem se viu mais do mesmo. Três decretos, dois deles com vícios graves, segundo as promotoras. Tão graves que levam “à incorreta e oportunista interpretação de que estaria autorizada a abertura de estabelecimentos comerciais quaisquer, desde que coloquem, em suas prateleiras, pelo menos um item, uma simples barra de chocolate”, segundo as promotoras.
E mesmo com a correção das normas, foi o que aconteceu. Na manhã desta sexta-feira (10) a Havan estava aberta para “vender chocolates”. Imaginem a galera saindo de lá com aquela super TV tela plana que estava em promoção e uma caixinha de Bis…
Na quinta-feira o Sindicomerciários se mobilizou e encaminhou o alerta ao MP de que isso aconteceria – aconteceu ontem na Havan e a semana toda na Lebes do Centro, a poucas quadras da Prefeitura. As promotoras agiram rápido, mas terão que voltar a agir. Está cheio de armazéns de esquina vendendo pinga e balas de “chocolate” abertos na Augusta, na Cecília, no Krahe, e por aí vai. Viva a Páscoa.
Nesta tarde o Sindicomerciários voltou a cobrar, e a fiscalização da Prefeitura fechou a Havan – que bom que esteja fechada agora e se mantenha amanhã, domingo e pelo resto do tempo que perdurar o Estado de Calamidade Púbica em Viamão. Mas tenho minhas dúvidas.
As promotoras são eficientes, assertivas, mas tanto melhor que a população tivesse bom senso, já que os empresários e a administração municipal não têm. Mas como eu disse antes, não há interesse pela legalidade por parte do povo, o que importa é consumir. E se Deus existe, só mesmo ele para operar essa roleta-russa entre a UTI e a caixa de bombom de marca duvidosa, ou qualquer outra bugiganga que o patriota Luciano Hang importa da China comunista.
Não é errado um gestor público ouvir as entidades comerciais, ao contrário. A questão é só ouvir os que estão do lado de dentro do balcão, ou melhor, os donos atrás do caixa. O balconista mesmo, o assalariado, aquele que está ali com centenas pessoas no coletivo lotado, sentindo a respiração e a saliva de cada cliente, é ignorado no processo.
É rezar para que depois da Páscoa sobrem alguns ventiladores mecânicos e camas em um hospital público para os comerciários seguirem respirando.
Tanto a prefeitura não escuta, que foi preciso, mais uma vez, a intervenção da Gisele Moretto e da Karina Bussmann. As promotoras intimaram Russinho a apresentar estudo epidemiológico sanitário que justifique o afrouxamento das restrições ao funcionamento do comércio municipal solicitado pelos empresários. Deram a ele 24 horas – prazo quase no fim – mas que, aposto, não será cumprido.
É a velha aposta no “não vai dar nada”.
Ainda bem que temos as promotoras, mas quem dera não fosse preciso o Judiciário corrigindo vícios, ou as entidades tentando proteger o trabalhador, ou a imprensa avisando o povo dos riscos. Mas a massa só vê política nessas ações. Só não acredita que há jogo de interesses dentro dos gabinetes executivos e legislativos Brasil afora.
Haja estômago.
Refaço o apelo
São, até esta Sexta-feira Santa (10), 640 casos confirmados em 78 cidades e 15 vidas perdidas no RS. No Brasil, agora são 1.057 mortes 19.638 infeções. Vamos ver como a curva do contágio se comportará após o feriado 'santo', depois das aglomerações nas filas do peixe, do vinho – e agora do chocolate e das novas barbas e retoques na tinta do cabelo. Na dúvida, sigo na linha do #FiqueEmCasa, até porque nunca ouvi falar de ninguém, além de Cristo, que tenha ressuscitado no domingo de Páscoa.
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