O vereador Jessé Sangalli até pode ser cassado pela Câmara de Viamão, mas por desejo dos vereadores, não por uma ilegalidade.
Explico.
Antes, um pouco de contexto.
O midiático parlamentar, que ficou mais de um ano sem partido, filiou-se ao Cidadania. Ao final da janela de transferências partidárias, em 4 de abril, transferiu o domicílio eleitoral para Porto Alegre.
Vilson ‘Viamão E Daí’ Arruda, da rádio Metropolitana web, divulgou nesta segunda que o advogado Rafael Menett protocolou pedido de cassação para que o suplente Canelinha Filho (PSDB) assuma como vereador.
Só que a decisão política é uma coisa; outra é o que está nos textos legais – que tantos rabiscam em cima ‘é verdade este bilhete’.
Os legislativos, obtendo maioria simples, no caso de Viamão 11 entre 21 vereadores, podem cassar até por espirro sem máscara. Restará a Jessé buscar uma volta ao cargo acionando o Judiciário.
O político já tentou um ‘habeas corpus preventivo’ junto à 1ª Vara Cível de Viamão, mas o juiz Cristiano de Azeredo Machado negou, pela manobra de cassação ainda ser, no dia 9, data em que analisou o pedido, uma simples suposição de Jessé.
– Necessário aguardar as informações, a fim de melhor elucidar os fatos alegados – decidiu o juiz, sem analisar o mérito.
Analiso eu e, ao fim, entro também na política.
O artigo 25 da Lei Orgânica do Município de Viamão estabelece que “perderá o mandato o Vereador que fixar residência fora do Município”.
O Decreto Lei 201, publicado em 1967 pelo ditador Castello Branco, que regra até hoje a cassação de prefeito e vereadores, estabelece no artigo 7º que “a Câmara poderá cassar o mandato de Vereador, quando (…) II – Fixar residência fora do Município”.
Só que o caso de Jessé não se enquadra na troca de residência. Conforme a documentação que apresentou na tentativa de ‘habeas corpus’, a troca se deu para a Capital por lá exercer função de servidor público o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, na Praia de Belas. Mas ele continua morando em Viamão.
Observe que tanto a Lei Orgânica quanto o Decreto 201 proíbem a “residência fora do município”.
Conforme o Artigo 42 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), Jessé pode seguir vereador em Viamão e ainda ser elegível em Porto Alegre na eleição de 2020. Diz o Parágrafo único que “para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas”.
Nas ações de constitucionalidade 16.397/2000 e 18.124/2000 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já assentou que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil, aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios).
Agora, a política.
Se não foi uma coincidência, a ameaça de cassação surtiu um bom efeito para o enfrentamento da crise do coronavírus. Jessé, que recebe R$ 10 mil da Câmara, além dos vencimentos como servidor público do judiciário, anunciou que até o fim do ano vai doar metade do salário para o Hospital de Viamão.
Já na live (para assistir clique aqui) em que garantiu que não renuncia como aconteceu com o vereador Gugu Streit, que também trocou a velha pela nova Capital, as “graves denúncias” que anuncia Jessé, na frente do iPhone na garagem de casa, são daqueles Grandes Lances dos Piores Momentos da política.
O vereador justifica a troca de domicílio eleitoral pela “certeza” de que nenhum partido o deixaria concorrer neste ano, devido às denúncias que apresenta – e, realmente, às faz, como o frustrado pedido de impeachment do prefeito afastado André Pacheco, que tratei em Câmara de Viamão vota abertura de impeachment do prefeito, e sempre com bastante selfies e lives patrocinadas.
Conforme a amalucada teoria da conspiração, partidos tramariam um conluio para tirá-lo da política de Viamão – o que, então, conseguiram, já que Jessé pinoteou para a Porto Alegre de Any Ortiz.
Na real, Jessé sonhava com o Novo, mas o partido não existe, e com a crise do coronavírus viu seu discurso embolorado de estado mínimo ruir frente à gana do Deus Mercado, a fome dos bancos e a miséria da população.
– Socorro estado!
– Somos todos SUSialistas!
Ao fim, Jessé só um ‘golpeachment’ cassa Jessé. Inegável é que no ‘Campeonato do Ego’ eleito está.
Menos, vereador, menos.
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