É estarrecedor que a família de Darya Dugina não estivesse sob a proteção do aparato de inteligência/segurança russo’. Recomendamos o artigo do jornalista Pepe Escobar, com tradução de Patricia Zimbres para o 247
Darya Dugina, 30, filha de Alexander Dugin, uma jovem inteligente, forte, efervescente e empreendedora, que conheci em Moscou e tive a honra de ter como amiga, foi brutalmente assassinada.
Era claro que ela, como jovem jornalista e analista, estava abrindo para si um cintilante caminho rumo a um amplo e respeitado reconhecimento (aqui ela fala de feminismo).
Não faz tanto tempo assim, o Serviço de Segurança Russo (FSB) estava diretamente engajado em esmagar tentativas de assassinato organizadas pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) contra jornalistas russos, como no caso de Olga Skabaeyeva e Vladimir Soloviev. É estarrecedor que Dugin e sua família não estivessem sob a proteção do aparato de inteligência/segurança russo.
Os principais fatos da tragédia já foram estabelecidos. Um SUV Land Cruiser Prado de propriedade de Dugin, com Darya ao volante, explodiu em uma rodovia próxima à aldeia de Bolchie Vyazemy, a um pouco mais de 200 quilômetros de Moscou.
Pai e filha voltavam de uma festa familiar, onde Dugin havia proferido um discurso. No último minuto, Darya decidiu ir no SUV e Dugin seguiu atrás em um outro carro. Segundo testemunhas oculares, houve uma explosão vinda de baixo do SUV, que imediatamente foi engolfado em chamas e colidiu contra um prédio à beira da estrada. O corpo de Darya foi incinerado além de qualquer possibilidade de reconhecimento.
A Comissão Investigativa Russa não demorou a concluir que uma bomba caseira – cerca de 400 gramas de TNT desencapsulados – foi colocada sob o chassi do SUV no lado do motorista.
Os investigadores concluíram que o que ocorreu foi uma explosão premeditada.
O que ainda não se sabe é se a bomba caseira usou um timer ou se algum capanga postado nas imediações pressionou o botão.
O que já se sabe é que Alexander Dugin era um dos alvos constantes da lista Myrotvorets . O Myrotvorets é o Centro de Pesquisa sobre Sinais de Crimes contra a Segurança Nacional da Ucrânia. Esse órgão trabalha conjuntamente com a OTAN na coleta de informações sobre “terroristas e separatistas pró-russos”.
Denis Pushilin, dirigente da República Popular de Donetsk, não demorou a acusar “os terroristas do regime ucraniano” pelo assassinato de Darya. A inestimável Maria Zakharova foi mais… bem, diplomática: ela disse que se a iniciativa ucraniana for confirmada, ficará configurada uma política de terror estatal empregada por Kiev.
Uma guerra existencial
Em diversos ensaios – este sendo talvez o mais essencial – Dugin deixou abundantemente clara a enormidade de tudo o que estava em jogo. Esta é uma guerra de ideias. E uma guerra existencial: a Rússia contra o coletivo ocidental liderado pelos Estados Unidos.
O SBU, a OTAN ou, provavelmente, o combo – sabendo-se que o SBU é comandado pela CIA e MI6 – não optaram por atacar Putin, Lavrov, Patrushev ou Shoigu. Eles tomaram como alvo um filósofo e acabaram por assassinar sua filha – tornando tudo ainda mais doloroso. Eles atacaram um intelectual que formula ideias. Provando mais uma vez que a Cultura do Cancelamento ocidental se metastatiza facilmente no Cancelamento de Pessoas.
É ótimo que o Ministério da Defesa russo esteja prestes a dar início à produção do hipersônico Sr. Zircon, ao mesmo tempo em que continua a produzir carradas de Srs. Khinzals. Ou que três interceptadores supersônicos Mig-31 foram enviados a Kaliningrado, equipados com Khinzals e colocados em combate 24/7.
O problema é que as regras mudaram – e o combo SBU/OTAN, confrontado com um indescritível fracasso em Donbass, apelou para um aumento da sabotagem, da contra-inteligência e de táticas contradiversionistas.
Eles começaram bombardeando o território russo, se espalhando nos arredores de Donbass – como na tentativa de assassinar o prefeito de Mariupol, Konstantin Ivachtchenko, chegando mesmo a lançar drones contra o QG da Frota do Mar Negro em Sebastopol; e agora – com a tragédia de Darya Dugina – chegaram aos portões de Moscou.
A questão não é que tudo o que foi listado acima seja irrelevante em termos de alterar os fatos concretos impostos pela Operação Militar Especial. A questão é que a série de sangrentas operações psicológicas planejadas pela Ucrânia para efeito de relações públicas podem se tornar extremamente dolorosas para a opinião pública russa – que exigirá uma punição devastadora.
Está claro que Moscou e São Petersburgo são agora os principais alvos. A ISIS ucraniana está pronta para entrar em ação. É claro que seus agentes têm vasta experiência no assunto, por todo o Norte/Sul Global. Todas as linhas vermelhas foram cruzadas.
A chegada do ISIS ucraniano
O comediante cocainômano já se antecipou a qualquer reação russa, obedecendo ao script da OTAN que ele é obrigado a decorar todos os dias: a Rússia pode tentar fazer algo “particularmente repulsivo” na semana que vem.
Isso é irrelevante. A verdadeira – e incandescente – questão é até que ponto irá a reação do Kremlin e da inteligência russa quando ficar definitivamente comprovado que o combo SBU/OTAN tramaram o assassinato de Dugin. Isso significa o terrorismo de Kiev às portas de Moscou. Isso berra “linha vermelha” cor de sangue, e exige uma resposta ligada à promessa muitas vezes reiterada do próprio Putin de atacar “centros de decisão”.
Essa será uma decisão fatal. Moscou, essencialmente, não está em guerra com os fantoches de Kiev – mas com a OTAN. E vice-versa. É imprevisível como a tragédia de Darya Dugina pode vir a acelerar o cronograma russo, em termos de uma revisão radical de sua estratégia até agora de longo prazo.
Moscou pode vir a decapitar a máfia de Kiev com alguns cartões de visita hipersônicos. Mas isso seria fácil demais. Depois, quem haveria para negociar o futuro do que restar da Ucrânia?
Por outro lado, fazer essencialmente nada significa aceitar uma iminente invasão de fato da Federação Russa: a tragédia Darya Dugina turbinada a esteroides.
Em sua penúltima postagem no Telegram, Dugin mais uma vez resumiu o que está em jogo.
Ele pede transformações “estruturais, ideológicas, pessoais, institucionais e estratégicas” por parte das lideranças russas.
Com base nas evidências – dos crescentes ataque à Crimeia às tentativas de provocar uma catástrofe nuclear em Zaporozhye – ele conclui corretamente que a esfera da OTAN “decidiu se colocar do lado oposto até o fim”. O que significa: a Rússia, de fato (e isso não é propaganda) desafiou o Ocidente enquanto civilização”.
A conclusão é dura: “Então teremos que ir até o fim”. Isso se casa com o que Putin já havia afirmado: “Nós ainda não começamos nada”. Dugin: “Agora nós temos que começar”.
Dugin propõe que o atual status quo da Operação Z não pode durar mais que seis meses. Não há dúvida alguma: “As placas tectônicas se moveram”. Darya Dugina voará como uma águia nos céus de um outro mundo. A questão é se sua tragédia se converterá em um catalizador para propelir a ambiguidade estratégica de Putin a um nível totalmente novo.