por Leandro Melo
– Feliz Ano-Novo! disse Julia ao chegar na empresa, mas se fazendo de desentendido, o colega da mesa ao lado levantou-se e saiu sem dar, sequer, bom dia. Mais uma tentativa com a secretária do segundo andar que vinha passando, e também essa, seguiu concentrada nas pastas que carregava. Estava acontecendo! Apenas era difícil de acreditar. Julia voltou das férias no dia 2 de janeiro e seria demitida! Um calafrio tomou conta daquele um metro e setenta e dois. Os sapatos que estreava naquele retorno pareciam estar derretendo sob os pés, junto com o chão. Atônita, imóvel, parou entre o espaço do cafezinho e o hall do elevador dando-se conta do improvável.
– Maldita crise! Maldito Temer!
E justo esse ano que ela tinha esticado um pouco as extravagâncias da viagem.
– Pra que ir ao Chile?
Ela ignorou a crise econômica do país. Outros gerentes também foram desligados. Por certo também seria. E praguejava contra si mesma.
– Como não previ isso?! Droga! Maldito país! Se estivesse melhor qualificada poderia ir embora hoje mesmo! Mas como? Nem o Yazigi concluiu! Mal consegue entender o que dizem em Homeland. E terá que cancelar o Netflix, porque subiu o valor ainda por cima! Maldito Temer e esse Congresso corrupto que só pensa em si próprio! Então é isso, a gente se mata trabalhando e um belo dia é mandado embora como se não valesse coisa alguma! Eu deveria ter tirado apenas 15 dias. Se estivesse aqui antes, isso não aconteceria. Lá vem a Márcia e certamente também já sabe! Todos já sabem. Que vergonha, que vergonha. Vou lá! Vou dizer poucas e boas quando o Silvio me der a notícia. Aquele diretorzinho de meia-tigela. Nunca gostei dele no fundo. Vai ser bom sair. Estava na hora! Fizeram por mim o que não tive coragem. Mas são oito anos. Eu não poderia pedir demissão e perder tudo a que tenho direito. Agora terei mais tempo pras meninas. Vai ser bom e poderei cozinhar mais. Ler mais. Vou voltar ao Inglês e também ao francês, que sempre quis fazer. É isso. Tudo muda, é natural. Tenho que encarar.
– Oi Julia, seja bem-vinda. Olha estamos meio corridos, mas preciso muito falar contigo!
– Oi Silvio! Pode falar aqui e agora! Eu estou pronta!
– OK. Eu esperava ter um momento melhor pra isso, mas OK. Fizemos umas mexidas aqui e preciso que assuma toda a parte de negociação com os fornecedores. Sei que é uma coisa que queria e faríamos a partir de abril, mas terá que ser agora. Claro que isso inclui um bônus e comissionamento específico. Posso te passar mais detalhes à tarde, se estiver por aqui! Tudo bem.
– Ah! Tudo bem. Claro.
– Ótimo. Nos vemos. E feliz 2018!
– Pra ti também! Feliz Ano-Novo!
E de volta à mesa de trabalho, ligou o computador, instalou no porta-retratos as novas fotos das filhas, respirou fundo e sorriu sozinha pensando nos planos que fez na viagem! E enquanto acomodava a bolsa Chanel, pensou que o certo mesmo era mudar de vida e abrir aquela charmosa pousada em Mendoza e viver com espaço, tempo e se preocupar apenas com os legumes que plantaria! Tudo bem diferente da loucura que é esse Mundo do Trabalho! Quem sabe no ano que vem!?