Coluna do Gustavo: Distanciamento temporal

Uma grande amiga comentou sobre alguns parceiros profissionais a terem chamado para uma reunião virtual com objetivo de organizar um projeto que seria realizado no mês de junho. Quando ouvi isso logo pensei ser exagero se reunir agora para algo que será feito só lá em junho, ao que ela me disse ter sido exatamente esse seu primeiro pensamento, até se dar conta que maio já está no fim. Compartilhamos o espanto de constatar que em dez dias estaremos no mês seis.

É quase inacreditável pensar que já chegamos à metade do ano enquanto tenho a nítida impressão que o início de 2020 foi há apenas algumas semanas. Isso me fez refletir sobre a distância do tempo. Certos acontecimentos em minha vida ocorreram tanto tempo atrás, mas ainda estão de alguma forma tão próximos de mim, que "parece que foi ontem". O distanciamento temporal relativo a determinada experiência não influi em quase nada minha relação de proximidade com estas situações. Já outras, sobre as quais não nutro interesse, mesmo recentes, me deixam com a impressão de terem acontecido em outra vida. Como se não se relacionassem comigo.

Por isso fiquei preocupado de ter achado o período em que estive confinado pouco perceptível. Apesar de estar falando dos últimos meses, a aparente ausência de fatos marcantes me deixam com a impressão deste intervalo de tempo quase nem ter existido. Comecei então a pensar na minha produtividade durante o confinamento e percebi uma verdade preocupante. Fiz tanto, ou mais, quanto antes da pandemia. Projetos avançaram, negócios foram fechados e textos publicados. Exercícios foram feitos, livros lidos e aulas assistidas. Fui e voltei (sozinho no carro) de diversos lugares, falei com muitas pessoas (de máscara) e produzi e fui eficiente. Sempre com álcool gel e sem encostar em ninguém.

Perguntei para minha amiga o que ela pensava disso e chegamos a uma conclusão. Nosso estilo de vida exige que sejamos mestres na arte da concisão. O tempo sempre está passando e precisamos aproveitá-lo, porque não podemos ficar sem fazer nada. Estamos em uma constante  competição de produtividade. Para um dia ser bem aproveitado, tarefas precisam ser realizadas e dinheiro deve ser ganho e relacionamentos nutridos e lazer desfrutado. Além de tudo isso, como se já não bastasse, também precisamos deixar um legado.

As horas devem ser preenchidas com atividades, mas não qualquer atividade, porque se não se encaixarem nas características citadas, podem ser consideradas desperdício. Contudo, mesmo aproveitando ao máximo o tempo "livre", esta era pandêmica passou voando, apesar de todo o conquistado até aqui. Se mantivermos este ritmo, vamos aglomerar tanta produção dentro do espaço de tempo limitado da nossa vida que ela passará sem termos percebido. Precisamos mesmo ser tão concisos a ponto de fazer só o que importa o tempo inteiro, mesmo que isso signifique não conseguir aproveitá-lo?

Até em um texto, onde cada palavra escrita é importante, sem poder faltar ou sobrar nenhuma, eventualmente chega a hora de começar um novo parágrafo e, para isso, há uma linha inteira em branco.

Depois de conversar comigo, minha amiga cancelou a reunião e combinou de remarcarem quando estivesse mais tranquila para dedicar atenção integral ao projeto. O início do distanciamento social, a pandemia e toda esta nova realidade poderiam ser uma forma de desacelerarmos um pouco, mas isso não acontecerá enquanto não soubermos que não há nenhum problema reservar um período de nossa vida apenas para constatar o quanto os dias passam despercebidos. Acredite, existe tempo de sobra para isso.

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