A civilização humana evolui em função da existência de duas características cultivadas de forma natural pela personalidade de todos nós. A primeira é a individualidade. Um ser humano necessita suprir suas perspectivas do que julga adequado para si, caso contrário, será um eterno insatisfeito. E a segunda, por mas contraditório que seja, é a coletividade. Afinal somos seres sociais e a solidão absoluta jamais será bem-vinda para ninguém.
Trazemos tanto o individualismo, quanto o senso de comunidade, no DNA. Enquanto o avanço tecnológico e a transmissão de conhecimento eram lentos e primitivos, algo que iniciou há cem mil anos e durou até uns quinze mil anos atrás, lideranças eram exercidas por indivíduos de relevante destaque. Buscamos isso ainda hoje em diversas áreas, como esportes, ciências, negócios, artes, etc. Já com relação ao social, durante estes oitenta e cinco mil anos, um homo sapiens interagia com, e confiava em, apenas outro homo sapiens conhecido. Um estranho era exatamente isso, estranho. E muitas vezes representava também um perigo.
Por dezenas de milhares de anos, nossos genes foram escritos para vivermos buscando alcançar aquele estágio superior onde obtemos maior relevância individual e para sobrevivermos confiando nos conhecidos e desconfiando do desconhecido. Este código está entranhando na gente. Por isso, com as mudanças de comportamento exigidas pelo atual convívio em sociedade, é necessário encontrarmos um novo equilíbrio entre as tentativas desenfreadas de ser mais e melhor, e o limite para o contato com pessoas fora do círculo familiar e de amizades.
Nos últimos milhares de anos, teve início este fenômeno social cujo aumento gradativo até os dias de hoje nos levou, pela primeira vez na história de todos os humanos, a sermos obrigados a conviver, todos os dias, quase de forma ininterrupta, com quem não conhecemos. E ainda por cima, a termos contato constante com pessoas que, pelos mais variados motivos, expõem de forma muito clara como alcançaram posições na vida de muito maior destaque do que nós. Como nossa genética não evoluiu tão rápido quanto os avanços sociais, para grande parte dos homens e mulheres integrantes da sociedade, esta realidade pode ser difícil de lidar.
Confesso ser um desses. Minha vontade de melhorar a cada dia para alcançar meus objetivos (e vencer na vida), varia bastante dependendo de como lido com aquela certa frustração ao constatar o quão mais capacitados, resilientes, talentosos, sortudos, inteligentes, esforçados são, e principalmente o quão distantes de mim estão, alguns líderes atuais nos quais me inspiro. Somado a isso, na tentativa de evoluir, preciso cooperar com estranhos, ser educado com eles e, lutando contra minha maior dificuldade, deixar a ingenuidade de lado para não ser levado na conversa e enrolado por mal intencionados.
Por isso, tem dias que eu adoro ficar sozinho. As vezes, passo um dia inteiro sozinho. Coisa bem boa. Não falo com ninguém. Saio de onde moro e vou dar uma corrida à beira do rio e vejo umas pessoas aqui e outras ali, mas não interagimos. Elas não são minhas companhias, porque minha única companhia é o pôr do sol. E o dia passou e eu não disse uma palavra. Que beleza. Mas sou humano, logo, não sou um ser isolado. Gosto de estar junto, mas apenas de quem quero e me quer bem.
Inspirada neste longo processo evolutivo pelo qual nossa espécie passou, onde nossos antepassados viveram em pequenos clãs e todos se conheciam muito bem e andavam juntos por anos e apenas um ou outro ocupava posição de destaque, nossa personalidade foi moldada para criar uma seleção natural – que nos tempos atuais parece artificial – das pessoas com quem gostamos de conviver e competir. Por isso, atento a esta característica, faço todo o esforço do mundo para aproveitar os cafés que tomo com quem gosto de conversar e planejar o futuro.
Também tento, a todo custo, me fazer presente para celebrar os nascimentos, formaturas e casamentos. Entre nós mesmos, competimos de forma saudável, buscando o melhor individual e coletivamente. É com estas pessoas que choramos em despedidas e juntos buscamos conforto em velórios. Com relação aos outros, os desconhecidos, como minha natureza não levou milhares de anos evoluindo para aturá-los, prefiro fingir que estou sozinho, ou melhor ainda, acompanhado apenas do poente.