Como secretário foi envolvido na ’Lava Jato de Viamão’; Carlito Gandhi de Calcutá

Operação Capital, a Lava Jato de Viamão, deflagrada em fevereiro, afastou prefeito por seis meses e pede prorrogação por mais 120 dias

A Operação Capital, a ‘Lava Jato de Viamão’, aponta um político conhecido da região como suspeito de colaborar com uma “organização criminosa” chefiada pelo prefeito André Pacheco.

Carlito Nicolait – vereador mais votado da história de Gravataí em 2008, ex-secretário municipal em Gravataí nos governos Daniel Bordignon (Fazenda) e Sérgio Stasinski (Saúde) e abatido pelas denúncias do favoritismo para coordenar a campanha de Dimas Costa (PSD) à Prefeitura da cidade vizinha em 2020 – é citado em meio a irregularidades de mais de R$ 10 milhões cometidas pela suposta Orcrim na área da saúde, que comandou de junho de 2019 a fevereiro de 2020 em Viamão.

Em entrevista para a coluna nesta terça-feira (4), Carlito contrapõe o Ministério Público, alerta para o denuncismo midiático, contestado hoje até pelo Procurador Geral da República, Augusto Aras, e levanta suspeita de interesses políticos no afastamento do prefeito.

– Fosse a Madre Teresa de Calcutá a secretária da Saúde e também seria afastada. O alvo era o André, mas o MP criou o clima para não afastar apenas o prefeito.

Antes da versão de Carlito, que disse, ao escolher a Mahatma Gandhi, ter ficado “entre a Lagos e o Gamp”, duas organizações suspeitas de ilegalidades, um pouco de contexto, para o leitor entender a denúncia, personagens e empresas, e, ao fim, analiso o ‘modo Lava Jato’.

 

A 'Lava Jato de Viamão'

 

A notícia do dia é que o desembargador Júlio César Finger pode decidir nas próximas horas sobre a ação cautelar nº 70081068959, em que a Procuradoria de Prefeitos pede a prorrogação por mais 120 dias do afastamento do prefeito André Pacheco, que sábado completa seis meses fora do cargo por ordem da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, pelas suspeitas de corrupção.

A ‘Lava Jato de Viamão’, com base em escutas telefônicas, quebra de sigilos bancários e fiscais, e apreensão de computadores e documentos, também afastou, além de Carlito, outros quatro secretários, o vereador Sérgio Ângelo, além de investigar empresários e outros agentes e servidores públicos, como já tratei em artigos como ’Lava Jato de Viamão’ bloqueia 15 milhões em bens de prefeito e outros investigados; leia diálogos.

– São veementes os indícios de graves infrações penais perpetradas por André Nunes Pacheco em conluio com Ederson Machado dos Santos, Sérgio Jesus Cruz Ângelo e outros comparsas – acusam a coordenadora da Procuradoria de Prefeitos Ana Rita Nascimento Schinestsck e o promotor assessor Heitor Stolf Júnior, que informam que auditoria do TCE/RS demonstra que “prejuízos na sensibilíssima área da saúde pública prosseguem em 2020”.

O alvo inicial da ‘Lava Jato de Viamão’ na área da saúde, e um dos pilares do afastamento dos políticos, foi a contratação da organização social (OS) Instituto dos Lagos-Rio, cujas ilegalidades são calculadas em R$ 10.453.940,78. Carlito foi envolvido nas ramificações da investigação, pela suposta participação na contratação da OS substituta para prestação de serviços de gestão de unidades de saúde, o Hospital Psiquiátrico Espírita Mahatma Gandhi.

– A organização social foi contratada ilegalmente por André Nunes Pacheco, mediante o indispensável apoio do suspeito Carlito Nicolait de Mattos (Secretário Municipal de Saúde de Viamão na ocasião) – dizem os promotores, que reafirmam nas citações ao político gravataiense, que “o processo administrativo precedente a contratação do Mahatma Gandhi foi conduzido pelo então Secretário Municipal de Saúde, Sr. Carlito Nicolait, um dos afastados pela Operação Capital”.

Para o MP, o novo contrato, sem licitação, pesquisa de preços ou comprovação de vantagens para o município, é “ainda mais prejudicial” que o anterior, com “desfalque aos cofres públicos” de R$ 462.688,21 e “pagamentos indevidos” de R$ 2.273.680,20 a Mahatma Gandhi, que subcontrataria “empresas inexperientes, por alto valor e para a realização de serviços sem complexidade compatível à remuneração recebida como contrapartida”.

– E não é só isso. Até mesmo, o escritório de advocacia que defendia o prefeito André Nunes Pacheco – afirma a promotora Ana Rita Nascimento Schinestsck e o promotor assessor Heitor Stolf Júnior.

Conforme o MP, os procedimentos suspeitos “permitiram que o Contrato nº 121/2019 fosse constituído ao custo máximo mensal de R$ 1.803.276,04, sendo que o valor médio dispendido pela entidade parceira anterior (Instituto dos Lagos-Rio) era de R$ 1.028.132,02”.

Na conclusão, a Procuradoria observa que “são sérios os gravames aos cofres públicos, ressaltando-se que esta última organização social continua recebendo pagamentos do erário de Viamão, a par dos precários serviços de saúde prestados à população local (inclusive durante o atual período de pandemia de COVID-19), circunstância que demonstra a permanência da influência do grupo delitivo sobre a Administração local, corroborando a necessidade de extensão, por mais 120 (cento e vinte) dias, das medidas acautelatórias aplicadas ao Prefeito André Nunes Pacheco”.

Para ler a íntegra da ação do MP clique aqui.

 

Carlito Gandhi de Calcutá

 

Carlito Nicolait fala sobre as denúncias com tranquilidade do Gandhi famoso.

– São coisas normais para um gestor. Ainda mais com esse comportamento que o Ministério Público adota desde a metade da década passada, de acusar a tudo e a todos. Respondo tranquilamente sobre os oito meses em que comandei a Secretaria da Saúde.

– Quando cheguei em Viamão a vontade era dar um reset, tal falta de estrutura e descontrole administrativo. Mas na área da saúde não é possível parar tudo. Precisávamos fazer ajustes mantendo o atendimento à população – diz.

Ao receber relatório de inspeção do TCE, sobre os serviços prestados pela Lagos entre 2017 e 2019, o então secretário da Saúde em seu primeiro mês alertou o prefeito André Pacheco para cumprir na íntegra as recomendações dos auditores.

– Em menos de 100 dias fizemos uma glosa, uma retenção de valores de R$ 11 milhões. E encerramos o contrato, que era mal elaborado e parecia mais um contrato de terceirização do que de gestão. Esse processo está todo explicado em 400 páginas de relatório que encaminhei em novembro ao TCE e ao MP.

Conforme Carlito, a contratação emergencial foi feita porque um processo licitatório poderia demorar até 6 meses. E a participação foi restrita por parecer do procurador-geral Jair Mesquita, também afastado pela Operação Capital.

– Fizemos um processo rápido. Como a Procuradoria Geral do Município orientou a contratar emergencialmente entre organizações sociais credenciadas em Viamão, fiquei entre a Lagos, que tinha irregularidades apontadas pelo TCE; o Gamp, que respondia por fraudes na saúde de Canoas, e a Mahatma Gandhi. O que poderia fazer? – justifica.

Carlito contesta a contabilidade do MP e a avaliação sobre o contrato.

– Caem em contradição: na denúncia falam que o contrato com a Lagos era menor, em trechos usam R$ 1 milhão, em outros R$ 1,4 milhão. A verdade é que o valor da contratação da Mahatma Gandhi era o mesmo: R$ 1,8 milhão. Pagávamos no teto porque ampliamos os serviços – diz, citando “horário estendido em postos de saúde, mutirão de consultas aos sábados, atendimento a moradores de rua e investimento em informática, para evitar a perda de meio milhão por mês por falta de informação ao Ministério da Saúde”.

Carlito garante ter provas da fiscalização que fez sobre os contratos com as OSs.

– Na CPI da Câmara fiscais disseram em depoimento que a coisa era de um jeito antes, e depois do Carlito. Criei processos, check-list, fazíamos notificações quando serviços não era prestados. Um diretor da Lagos disse que em 3 meses notifiquei mais do em 7 anos de contrato. E para a Mahatma, só na semana anterior a meu afastamento, tinha feito 11 notificações.

– Fosse a Madre Teresa de Calcutá a secretária da Saúde e também seria afastada. O alvo era o André, mas o MP criou o clima para não afastar apenas o prefeito. Há elementos políticos envolvidos – conclui, sobre a guerra entre os grupos do prefeito afastado André Pacheco (PSD) e o ex-prefeito e seu ‘Grande Eleitor’ em 2016, Valdir Bonatto (PSDB).

 

Powerpoint, jejum e convicção

 

Apego-me na última sentença de Carlito sobre o Ministério Público. Fui eu a apelidar a Operação Capital de ‘Lava Jato de Viamão’, devido aos elementos jurídicos, midiáticos e políticos envolvidos, que guardam alguma semelhança com a famosa força-tarefa da República de Curitiba.

Midiáticos, porque foi uma ação ‘pé na porta’ da Prefeitura, com repercussão estadual, como reportei em Prefeito de Viamão, 5 secretários e vereador afastados por suspeita de corrupção. Políticos, porque transformou André Pacheco de prefeito favorito à reeleição em cadáver eleitoral, como tratei em Silêncio é pena capital para prefeito afastado em Viamão; o herói incômodo. E jurídicos porque, não só a Capital, mas qualquer operação feita no país bota promotores a teste, após a ‘Vaza Jato’ revelar entranhas da ‘Lava Jato’, seus jejuns, powerpoints e convicções.

Incontestável é que os diálogos envolvendo o prefeito são constrangedores e evidenciam o que o MP chama de “suspeitas múltiplas de envolvimento em práticas criminosas reiteradas contra a Administração Pública de Viamão”, “emprego de ardil e sofisticação contábil e financeira para execução de ilícitos” e “obtenção de proveito político pessoal por meio da gestão deletéria de verbas e serviços públicos”, entre outras práticas de organização criminosa, a hoje popular Orcrim.

Já sobre Carlito, reputo necessária cautela. As evidências tornadas públicas pela ‘Lava Jato’ não me parecem robustas o suficiente para provar a prática de corrupção. Improbidade administrativa, talvez.

Ao fim, aguardemos a Justiça, que Millôr chamava “loteria de toga”. Fato é que o ex-secretário já experimenta a única coisa permitida aos políticos hoje em dia: a presunção de culpa.

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