Sentada à mesa, ela descasca a laranja. A faca transforma a casca numa espiral. Nada a impede de dentar um gomo. E outro. E mais outros. Saboreia a fruta e o suco. Sente a perfeição da forma e da cor. E o gosto cítrico entranhando em sua língua.
Em silêncio, come e pensa. Na gula, na vida, nos dias perdidos sem a leitura de livros. Agora, a maturidade, faz seus neurônios funcionarem com mais seriedade e precisão. Agora a expressão de seus olhos adquire um outro brilho.Talvez o brilho da sapiência.
Na sala, em sua pequena biblioteca, obras brasileiras. Livros que não teve tempo de ler. Músicas que não teve oportunidade de ouvir. Nos álbuns de fotografias, parentes falecidos, que não teve tempo de abraçar. Como mereciam. E obras de autores mundialmente consagrados, que nem foram tocadas.
A vida corre. E o tempo humano de uma vida, é compasso estabelecido. Lamenta o ócio, o sono e o perdão não dado.Todos aqueles dias inúteis passados na praia. Distantes e urgentes. Passados e teatrados. Na juventude, fase adulta e agora,no crepúsculo da existência.
Com o gosto da laranja-suco na boca,instala-se na cadeira mais confortável da casa e, tenta ler. O que não foi lido. O que distraí a mente. O que ensina. O que marca seu ser e seu cotidiano. Olhando vê, que nem Ernest Hemingway, Charles Bukowski, James Joyce, Edgar Allan Poe e Fernando Pessoa foram lidos. Prestigia autores brasileiros: Jô Soares e Paulo Coelho. Emociona-se com as peripécias do “Xangô de Baker Street”. E sente a acidez na estória da Mata Hari. A linda espiã da Primeira Guerra Mundial.Que chegou à criação do autor, em forma de telepatia. Tanta obsessão. Tantas palavras. Tanta mescla de verdade e ficção.
Chega o tempo de apressar a leitura. Repensar autores. Preencher os dias com escritos na língua portuguesa. Esquecendo coisas sem importância. Entendendo que livros são os melhores amigos. Dificilmente frustam nossa companhia. De resto, a recuperação do tempo perdido.A eterna e rara satisfação da leitura.