O vereador Nadim Harfouche, eleito em sessão polêmica como presidente da Câmara, assumiu e deixou o cargo de prefeito de Viamão nesta sexta-feira (24). Às 7h40min, entrou no Gabinete acompanhado do vereador Eraldo Roggia, advogado e assessores. Por volta das 18h30min, não estava mais no comando do município. E nem Eraldo dirigia o Legislativo.
Confira a cobertura especial do Diário de Viamão:
O escuro da noite foi pintado pelo vermelho dos luminosos dos carros da Vigilância Municipal. Duas viaturas e quatro homens, que depois ganharam o reforço de uma guarnição da Brigada Militar, guardavam o Gabinete do Prefeito. Um dos servidores olhava fixamente para o pano perto na porta, colocado em sinal de luto por Russinho, balançando ao vento.
– Foi tudo muito rápido. Difícil acreditar – afirmou, trocando impressões com um colega.
A noite anterior foi de tensão, o que explica o aparato de segurança. O vereador Evandro Rodrigues (DEM) havia recebido posse do presidente do Legislativo em Exercício Xandão Gomes (Republicanos) após a sessão ordinária de quinta-feira (23). Quase que no mesmo tempo, Eraldo abria a sessão extraordinária em que Nadim virou presidente e na sequência chefe do Executivo. Criaram-se duas correntes, cada um defendendo a legalidade de seus atos e seus prefeitos.
A guerra de versões gerou a dúvida sobre quem ocuparia o Gabinete. O chefe da Guarda Mauro Rossol mostrava em seu telefone gravações da noite anterior para provar que ninguém esteve no prédio.
– A chave estava comigo, olha o horário aqui, ó… vazio! – apontava Mauro para a tela.
A madrugada foi calma, sem ocorrências. Por volta das 7h, os servidores foram orientados por Mauro:
– Só entra se apresentar ordem judicial.
Referia-se a Evandro. Entre as pessoas do antigo Gabinete de Russinho já havia consenso político de que Nadim assumiria a cadeira.
E assim foi.
Nadim chegou ao Paço Municipal pouco depois das 7h30min, acompanhado de Eraldo, na condição de presidente do Legislativo. Nenhum dos dois falou com a imprensa. A dupla se aproximou dos homens da Guarda Municipal, houve rápida troca de cumprimentos e a entrada foi autorizada.
– Vai ser pela frente! O prefeito entra pela frente! – disse Eraldo. Os dois passaram, e o acesso principal ao prédio foi novamente trancado.
Não abriu mais.
Eraldo (D) chegando
De dentro, Eraldo deu a ordem para permitir apenas o acesso de advogados e vereadores que viabilizaram o acordo político que deu o cargo a Nadim. Primeiro, os guardas receberam uma lista com 11 nomes. Aos poucos, ex-secretários de Russinho, pessoas ligadas à Saúde, líderes de partidos políticos e o chefe da Comunicação foram chegando.
Para todos esses, a entrada foi pela porta do lado.
Lá de dentro, além do cheiro forte da desinfecção realizada preventivamente contra a Covid-19, saiam informações desencontradas. Ocorreu uma rápida e discreta celebração, o momento do “parabéns, Nadim” (com pedido de “afasta um pouco” e “coloca a máscara” para a foto no Facebook).
Teve a hora da entrevista oficial da Prefeitura. E a hora da política. Adversários, hipóteses sobre o futuro de André Pacheco (que tem o encerramento do afastamento em 10 de agosto), desdobramentos do racha de ontem, avaliação sobre o risco de reversão e conversas com os secretários para entender em que pé estão as coisas na Administração. Nadim se debruçou sobre a Saúde. Deixou claro que é o ponto mais frágil do governo.
Nadim na foto oficial | Fonte PMV
Foi, inclusive, o tema escolhido por ele para a sua primeira fala. De acordo com o que a Comunicação publicou em sua página oficial de Facebook, ele deseja alterar a classificação do porte da UPA: de dois para três, o que permitiria novos tipos de recursos e atendimentos. Também prometeu recursos para ajudar o hospital local.
Emissários entravam e saiam do Gabinete. Um deles era o vereador André Gutierres (Progressistas). Foi um dos primeiros a chegar.
– Só estou dando uma ajuda – disse entre uma das idas e vindas.
Questionado se participaria da gestão, soltou:
– Minha vida é fora daqui – e voltou para o Gabinete.
Curiosidade
Durante toda a manhã, pessoas acompanharam a movimentação. Algumas paravam e cumprimentavam os agentes municipais e logo questionavam:
– Já tem prefeito?
Câmara
Eraldo conduziu Nadim até a cadeira, mas tinha as próprias questões para tratar. Eis aí também motivos para o trânsito intenso de papeis entre Legislativo e Executivo durante a manhã. Ele exonerou nomes como o diretor Geraldinho Filho e o procurador Diego Beretta.
Sem acesso ao sistema de publicações da Câmara e com os servidores dispensados do expediente por Geraldinho, que passou toda a noite no prédio, A solução encontrada por Eraldo foi colar os atos de exoneração na porta de entrada.
Em paralelo, Xandão Gomes e Geraldinho davam ordens. Advogados corriam para anular a sessão extraordinária que destituiu a mesa diretora.
Ao pé da escadaria externa da Câmara, os vereadores Francinei Bonatto (PSDB) e Guto Lopes (PDT) conversaram com o DV. Ambos defendem que o clima já está apaziguado entre os parlamentares. E para os dois, Nadim e Eraldo comandam os poderes Executivo e Legislativo.
Estavam no Legislativo aguardando uma sessão extraordinária convocada por Eraldo para às 14h, que acabou cancelada. Pouco depois atravessaria a rua um emissário do Gabinete levando uma nova convocação, dessa vez para domingo (26) às, 17h, e assinada por Nadim.
Sua primeira – e única – canetada.
A metros dali, Evandro Rodrigues aparece. Aguardava do lado de fora de uma agência bancária. Dentro dela, Geraldinho pagava custas processuais das ações movidas para derrubar Eraldo e sua mesa diretora.
– São atos nulos, o Xandão é o presidente, eu sou o prefeito legítimo de Viamão. O presidente Xandão deu por encerrada a sessão e eles a reabrem e mudam a presidência como? Isso é arbitrário e é questão de horas para que a Justiça reconheça. Nadim pensa que é o Guaidó? (Deputado Nacional da Venezuela que se autoproclamou presidente) – diz Evandro.
As horas passando, o calor deu lugar a temperaturas menores – políticas também. Assim como os pombos que passam o dia empoleirados na caixa d´água da Corsan retiram-se ao fim do dia, o movimento no Paço Municipal caiu consideravelmente. Esfriou externamente, porque o foco voltou-se aos bastidores. Todos aguardando resultados da ações judiciais sobre a validade dos atos da nova mesa diretora da Câmara e, por consequência, do novo prefeito.
Até às 18h, silêncio. Nenhuma decisão contrária ou favorável a nenhum dos lados. Pouco depois, o rufar dos tambores: A liminar concedida pela Justiça em favor de Xandão anulou a eleição para a direção do Legislativo. Nadim entrou, mas não levou o Gabinete. Eraldo exonerou, ordenou, convocou, manobrou e terá de recomeçar tudo se quiser voltar a dar as cartas.
Viamão, com mais de 250 mil habitantes, merecia sorte melhor. E não importa para que lado a Câmara rachou ontem e rachará nos próximos dias até que a fumaça branca apareça no Paço Municipal, este já é um fim de legislatura triste.
A segurança jurídica foi deixada de lado em nome da disputa política. E pela falta dela, Nadim foi comparado a Guaidó e Eraldo comemorou como a Miss Colômbia 2015, que saiu na foto com a faixa de soberana do Universo, mas teve que devolver.
Logo tem mais. Que todos os parlamentares tenham sucesso dentro do rito regimental e da liturgia de seus cargos. E que o povo possa conhecer – e dormir sabendo quem é – o prefeito de fato e de direito de Viamão.
Prefeito
A mesa diretora da Câmara – a que voltou ao comando – espera encontrar uma solução para o impasse ainda neste fim de semana. A próxima sesão regimental é somente na terça-feira (8).
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