Áudio baixo, quase inaudível, e imagem escura compõem a cena que bem retrata a realidade da Saúde Pública em Viamão. É, também o resumo da live transmitida pela comunicação da Prefeitura na tarde da quarta-feira (3), horas antes de o governo do Estado informar em seu boletim epidemiológico diário a quinta morte por coronavírus aqui no município.
O secretário Glazileu Aragonês, o diretor da Vigilância em Saúde Clayton Ferreira e o médico Caio Cabral passaram 55 minutos falando sobre a crise do coronavírus e o planejamento da pasta para tentar frear o avanço da COVID-19. E com todo o respeito devido aos gestores municipais, os três parecem que enxergam uma Viamão que mais ninguém além do núcleo da Administração vê.
Foi quase uma hora de autoelogios, falas políticas e justificativas para o que não foi realizado após 76 dias do primeiro caso confirmado, apesar de muitas orientações do Ministério Público. As únicas informações concretas da transmissão são que as Unidades Básicas estão sendo preparadas para atendimento eletivo e que os 2,6 mil testes prometidos para identificar o corona ainda não chegaram.
Aragonês abriu a live classificando o quadro de Viamão como "razoável", mesmo admitindo que testar a população de forma massiva para identificar o vírus é "um projeto posterior" e "gradual". Entende-se, portanto, que vamos conviver com a subnotificação até lá, mesmo que Caio Cabral garanta que parentes dos pacientes confirmados estejam sendo testados.
Não é o que as famílias relatam ao Diário de Viamão.
Cabral jogou a bola de volta ao Estado quando surgiram perguntas sobre internações. Disse que não necessariamente o hospital local receberá os casos, como aliás tem acontecido. Errou ao dar a entender que os dez leitos prestes a serem inaugurados no município já estão disponíveis – não estão. Também não soube responder quantos ventiladores artificiais (respiradores) existem por aqui.
O médico afirmou que Viamão segue "muito" o programa de distanciamento controlado do governo do Estado. Porém, as ruas da cidade inteira estão lotadas como se fosse véspera de natal e sem nenhuma fiscalização. O Diário mostrou essa triste realidade ontem, na matéria As ruas estão cada dia mais cheias, a única ausência é o bom senso.
Aragonês e Cabral se enrolaram sobre a data para a retomada do agendamento de exames preventivos ao câncer, suspenso antes mesmo da pandemia. O secretário soprou a Cabral o mês de setembro, mas nenhum dos dois cravou com convicção. Ficaram só num tímido "em breve serão reiniciados".
Cabral não quis responder sobre qual a projeção da pasta para o pico da curva de contágio em Viamão. Defendeu que depende da população. Neste momento, Aragonês relativizou os 64 casos e as quatro mortes (logo após, outros quatro casos e um óbito seriam confirmados), dizendo que o povo "está se comportando", embora tenha se contradito ao dizer que as ruas mostram "que não é 100%".
Cabral, que integra o Comitê de Operações de Emergência em Saúde (COE) – núcleo responsável pelos dados – e o Conselho Municipal de Saúde (CMS), tentou justificar a escassez de informações sobre os casos locais. Usou para isso o fato de que o número de óbitos é "muito pouco". Aragonês defendeu que só com "um contingente maior de casos", seria viável fornecer mais dados à população.
Clayton Ferreira classificou o trabalho da Vigilância em Saúde como "fenomenal" e defende que a curva de contágio da COVID-19 "não está crescendo violentamente". Ilustro a fala de Ferreira com o levantamento realizado pelo Diário sobre o avanço da pandemia em maio, que cresceu 160%. Como pede o título: quem acha que está tudo bem precisa ver estes infográficos.
Eis o resumo da live que pouco acrescentou para esclarecer os mais de 250 mil que vivem na antiga capital. Sem prazer nenhum, digo que pior que as falas prontas de ontem, só o silêncio da Prefeitura passadas quase 24 horas da quinta vida de um morador da cidade perdida para o coronavírus – e que o COE só ficou sabendo através do governo do Estado.
Para constar, minutos após a publicação dessa coluna, a Prefeitura divulgou boletim epidemiológico com 14 novos casos – o total da pior semana de maio em um único dia de junho (já 25 casos em apenas quatro dias deste mês). Agora, são 82 infectados. Em maio inteiro, foram 35 doentes confirmados.
E o diretor da Vigilância diz que "alguns torcem pelo pior".
Quantas vidas precisaremos perder? Qual é o "número razoável" para que a crise realmente seja encarada com a gravidade que possui pelos gestores que ocupam as cadeiras de comando na Prefeitura de Viamão? Eu tenho a minha visão, mas prefiro deixar a resposta para os infectados – e para os familiares dos que morreram.
Aos demais leitores, que tirem suas próprias conclusões.
Números de uma guerra – 3/6/2020:
Brasil: 584.016 casos, 32.548 mortes – 1.349 nas últimas 24 horas
Rio Grande do Sul: 10.398 confirmados em 306 municípios – 258 mortes;
Viamão: 82 casos – cinco vidas perdidas (dados de 4/6).
LEIA TAMBÉM
Na Câmara, secretário da Saúde repete falas de Bolsonaro
A médica Letícia Ikeda estava certa: a Páscoa chegou, e o Dia das Mães está a caminho
TCE reprova contas de André Pacheco na gestão da Granpal