Pais, professores e estudantes reprovam proposta de ensino a distância

Reprodução de diálogos entre pais e professores repassadas ao Diário de Viamão

A voz baixa reflete insegurança. Na angústia de acabar logo com o desconforto, a leitura é acelerada cada vez mais. Com a mente focada unicamente em encontrar o final, o jovem estudante tropeça nas orações, atropela a pontuação e perde a chance de compreender o texto diante dos olhos. Não é necessário ser um educador para perceber que é praticamente impossível aprender assim.

É pelo menos desigual.

O relato acima resume uma atividade entregue por alunos da rede municipal de ensino de Viamão nesta semana. Sem aulas por conta da pandemia, parte das tarefas estão sendo repassadas por grupos de WhatsApp com pais, estudantes e professores. Assim, de forma coletiva, todos acessam respostas, correções e resultados obtidos. É natural que um jovem do Ensino Fundamenta sinta-se pressionado por ler, sabendo que será ouvido por mais de cem pessoas. Estranho seria se o desempenho não fosse comprometido em tal situação.

Os pais também sentem a dificuldade. Muitos, agora, têm que ajudar na leitura dos enunciados, compreender as propostas e explicar como se fossem os professores. Mesmo sem formação para tanto.

– A tarefa chega no meu telefone e eu sento com meu filho para tentar explicar. Muitas vezes eu não sei como fazer, não sou professora, e são conteúdos que não aprendi ou não recordo, saí da escola há 29 anos – conta a técnica de enfermagem Tânia Gonçalves de Vargas, 49 anos, moradora da Santa Isabel.

Conforme Tânia, as lições passadas não estariam em acordo com o cronograma letivo definido para o ano escolar.

– Meu filho está no sétimo ano e recebe conteúdo que é da nona série. Por que não seguiram de onde parou? – questiona.

 

Professores também enfrentam dificuldades

Conforme a professora Roselita Campos, a orientação da secretaria de Educação do município (SME) é aplicar os conteúdos de uma plataforma para ensino a distância contratada pela Prefeitura, a Alfa e Beto. Mas a opção gera críticas.

– São conteúdos prontos, engessados. Perdemos nossa autonomia para aplicar as aulas, acontece que é o professor que conhece a realidade dos alunos. E tem os pais angustiados, pois não conseguem auxiliar os filhos. Além de nunca terem visto o conteúdo da plataforma, cada um tem um tempo diferente de aprendizagem – defende Roselita.

A educadora afirma que a rede municipal não oferece estrutura para o trabalho, o que, segundo ela, reflete diretamente no aprendizado.

– Não temos formação para dar aulas a distância, isso dificulta o trabalho. E não pensaram na realidade dos alunos, muitos não têm telefone ou não têm internet, precisam ir na casa de um colega para usar o Wi-Fi. E não é só questão de recurso financeiro, também é difícil para a classe média. Então imagina na comunidade, onde falta até lápis – lamenta.

Roselita também revela que há excesso de trabalho, muitas vezes fora do horário de expediente.

– Tem professor recebendo atividade durante a madrugada, atendendo pais a qualquer horário. Tentamos nos esforçar pelos alunos, mas é um momento difícil.

 

Sindicato quer mudança nos conteúdos

O Sindicato dos Municipários de Viamão (Simvia) está conversando com a secretaria de Educação. De acordo com a presidente Maria Darcila Tinoco, a revisão do conteúdo é prioridade.

– Estamos levando todas as dificuldades dos professores à secretaria. E já estamos dialogando sobre o conteúdo passado aos alunos – entende.

O que diz a Prefeitura

 

A secretária de Educação Simone Costa da Silva afirma que a rede municipal está com atividades através das plataformas digitais desde abril, e que os alunos estão sendo orientados pelos professores titulares. Sobre os relatos de dificuldades de pais e alunos, ela orienta a buscar apoio da equipe diretiva da SME.

– Já conversei pessoalmente com a Tinoco (Maria Darcila, presidente do Simvia) e estou em contato com ela diariamente, para que todas as dúvidas sejam sanadas – garantiu.

Ela informou que durante a paralisação das aulas presenciais, os alunos também usarão livros didáticos nas tarefas a distância. A distribuição vai até 22 de maio, e a aplicação se dará a partir do dia 25 deste mês.

A secretária listou ações adotadas pela SME durante a crise do coronavírus:

 

● Ativação de um plano com ações estratégicas para redução dos impactos sociais e cognitivos que a pandemia proporcionou às famílias, devido ao isolamento social, com a suspensão das aulas nas seguintes questões:

● Apoio às necessidades básicas de privação de alimentos, com a distribuição dos kits de merenda a todas as crianças matriculadas em escolas municipais.

● Diminuição do estresse que o isolamento social proporciona, com ativações de apoio socioemocional às famílias através de material digital.

● Apoio às perdas no processo de aprendizagem da criança com estímulos cognitivos e oportunidades de contato, por meio virtual, às atividades pedagógicas. As escolas ativaram o uso das ferramentas digitais para construírem o elo de comunicação com as famílias através do uso do whatsapp. Atualmente, 62% dos alunos da rede municipal de ensino já possuem contato com sua escola através desta ferramenta e
90% das escolas possuem grupos de WhatsApp onde mantêm um contato diário as famílias e os alunos, orientando-os sobre as atividades escolares.

● Acesso aos aplicativos educacionais tendo por meio lúdico o desenvolvimento de habilidades de fluência de leitura, de escrita, raciocínio lógico e as operações matemáticas.

● Feedback das equipes diretivas, professores e famílias sobre as fragilidades que vem se agravando neste cenário que estamos vivendo e que há desigualdades de acesso ao mundo digital por parte de muitos alunos da rede de ensino.

 

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