Há exatamente um ano, numa manhã tão fria quanto a de hoje, uma parada cardiorrespiratória dava fim à luta de Valdir Jorge Elias contra a Covid-19. Por uma semana inteira, Viamão priorizou sua cambaleante governabilidade. Foram sete dias de preocupações com a sucessão administrativa, enquanto, longe dos holofotes, se desenrolava um drama familiar na proporção em que a saúde do prefeito em exercício se deteriorava.
Os dias que antecederam a morte do Russinho são repletos de bastidores. Alguns narrados de forma superlativa, outros fiéis até nas vírgulas.
Entre relatos e especulações, ainda hoje o tema é sensível. É o que o Diário de Viamão conta a partir de agora, neste material especial que recorda o político e o homem Valdir Elias.
De coração aberto
Russinho dificilmente conseguia caminhar tranquilamente entre as praças Júlio de Castilhos e da Matriz, no Centro, sem ser abordado por algumas dúzias de pessoas. Sempre com sorriso no rosto, cumprimentava um a um.
– Era um homem de coração enorme. Literalmente tirava a roupa do corpo para dar – conta o amigo pessoal e ex-diretor administrativo de Russinho na Prefeitura, Paulo Quintana, o Paloma.
Origem humilde e apelido famoso
Nascido em Porto Alegre, Valdir se mudou para Viamão na segunda metade da década de 1960. Nem bem havia completado 14 anos, perdeu o pai, Badia Miguel Elias. A partir daí, começou a trabalhar para ajudar nas despesas da casa, que na época dividia com a mãe, Gabriela, e o irmão, Miguel.
A baixa estatura, o caminhar acelerado e a fala peculiar chamavam atenção desde novo. Tais trejeitos renderam ao garoto de descendência libanesa o apelido famoso.
– Desde criança já era chamado de Russinho. Ficou popular, e ele adorava – conta a filha, Bruna Elias.
Pai, avô e destaque nas urnas
Nas Augustas, Russo, para os mais íntimos, fez família e carreira política. Casou com a dona Roselaine, teve seis filhos – Alexsander, Fernanda, Bruna, Juliana, Ronald e Vitor – e quatro netos – Matheus, Andrielle, Luiza e Caio.
Em Família – Arquivo Pessoal
Se elegeu vereador pela primeira vez em 1988, pelo PDT. Em 1992, concorreu a vice na chapa que tinha o Professor Pedro Negeliskii como prefeito. Apesar da derrota na eleição majoritária, a família Elias começava a construir hegemonia: o irmão, Miguel, conquistou o primeiro de três mandatos consecutivos na Câmara.
Miguel Faleceu em 2002, ano em que presidia o Legislativo.
– A perda do único irmão deixou o pai muito abalado, eles eram muito unidos. Foi uma fase bem difícil para todos nós da família – recorda Bruna Elias.
Foi só em 2009, no então PMDB, que Russinho voltou à Câmara. Nesta legislatura, inclusive, presidiu a Casa do Povo (2010). Conquistou uma última reeleição em 2012, porém assumiu a secretaria de Obras e Serviços Públicos entre 2013 e 2015, na gestão Valdir Bonatto (PSDB). Retornou ao posto de vereador para cumprir o último ano de mandato.
Foi eleito vice-prefeito a partir de 2017. E seu capital político nas Augustas contribuiu para tornar vereador o jovem Evandro Rodrigues, à época no PSDB.
– Sou um privilegiado em ter vivido um período da minha vida ao lado dele – afirma Evandro.
Russo no lançamento da campanha de Evandro – Arquivo Pessoal
Em fevereiro de 2020, Russinho assumiu a Prefeitura, após as denúncias de corrupção que afastaram André Pacheco. Adoeceu e partiu enquanto articulava a realização de um sonho pessoal: ser prefeito da Velha Capital referendado pelo voto.
Paixões
Do cara que apreciava um bom churrasco, mas que não tinha muita habilidade como assador, ao colorado entusiasta do futebol amador, passando pelo gosto por sucos naturais e de cuidar de bichos. As histórias envolvendo Russinho fora do dia a dia da política também rendem.
– Teve uma final da Copa Paulo Roberto… era Tamoio contra Vila Augusta. Eu era presidente do Tamoio e fomos campeões nos pênaltis. Neste jogo, o Vila teve um gol anulado, e ele (Russinho) dizia que eu tinha comprado o juiz. Para provocar, eu falava pra ele que tinha sido o bandeirinha, porque era mais barato. Sempre que estávamos juntos ele contava essa história para alguém, para que eu repetisse que um bandeira é mais barato… ele caia na risada – revela Paloma.
– O pai adorava assar uma carne, mas esse não era o talento dele – diz Bruna Elias, sem impedir a gargalhada com a boa lembraça.
Sem intimidade com o ofício – Arquivo da família Elias
Popular, carismático, bom de voto, e até certo ponto, calmo. Esse era Valdir Jorge Elias, que só pelo que foi trazido até aqui já teria garantido espaço nas memórias de Viamão. Contudo, o destino lhe reservava outras linhas históricas, ainda que menos abonadoras.
É o que veremos na continuação desta série:
Um ano sem Russuinho | O início da queda – os elos se fecham
Um ano sem Russinho | Dor e conspiração
Leia também
Carreata nesta tarde marcará despedida de Russinho